Estou aqui. Não sei o que sou.
Não falo. Não respiro. Não vejo... Mas sinto.
Não me mexo. Não saio do lugar.
Quando passam por mim, seres bípedes, falantes, exclamam: "Olha lá, mamãe, uma pedra azul!"
Pois é, segundo os bípedes falantes, sou uma pedra, e tenho cor, azul.
Então, acho que já deu para notar, tenho outra peculiaridade, além de ser sensível e azul, posso ouvir.
Ouço muito à minha volta. Já ouvi que sou uma pequenina pedra azul, no meio de centenas de outras pedras cinzas.
As crianças, quando vão em direção às outras pedras, procurando diversão, sentam-se nas grandes pedras cinzentas, e fazem-nas de cavalinhos. Em mim, não podem sentar, afinal, nem um pássaro distraído em minha superfície consegue pousar inteiramente, pois sou mínima.
Um dia, subitamente, jogaram-me dentro d'água. Foi um susto e tanto. Se outra coisa fosse, teria estremecido, mas como uma pedra, permaneci lá, imóvel internamente, mesmo deslizando no ar.
Estava deitada, despreocupada, cochilando, num final de tarde, com uma suave brisa balançando a poeira no meu corpo áspero, quando, de repente, algo me segurou e me ergueu. Aí... vupt... fui arremessada para o espelho d'água.
Antes desse inusitado episódio, ainda não havia sentido a textura do mar. Estranho... Parecia que uma bolha gelatinosa me tragava. Até que percebi, quando a primeira impressão passou, que flutuava.
Será que estou deslizando no ar? Era mar ou era ar?
Descobri, nessa experiência, que posso pensar. Minha mente virou redemoinho.
Fui jogada com fúria, para lá e para cá.
Enquanto meu corpo lentamente afundava, meu pensamento decolou, chegando às alturas.
Cada vez mais alto, mais rápido.
Meu corpo áspero e azul, cada vez menos peso tinha, isento de gravidade.
Naufragava serenamente...
Não mais ouvia as risadas das crianças deliciando-se com as grandes pedras cinzentas.
Estava no fundo do mar.
Ouvia apenas o silêncio crônico, um zumbido linear do sepultamento das conchas e mariscos.
As ondulações das profundezas roçavam em mim, deixando-me lisa e macia, não mais áspera como sempre fui, fora do mar.
Seres minúsculos depositaram, com a destreza de um alfaiate, tecidos bordados por algas marinhas. Do tecido, fez-se um manto com rendas finas e frágeis, até me cobrir, misturando-me com o fundo.
Na imensidão azul do mar, desapareci.
Uma paisagem homogênea como um tapete extenso, estirado nas profundezas, da qual eu fazia parte, revestiu a areia para recepcionar os habitantes cerimoniosos, não só peixes, como curiosos escafandristas.
Mas meu pensamento, que no ar estava, confundiu-se com o mar, em límpidas tonalidades de azul.
Logo ele que não tinha cor, invisível, neutro, ganhou colorido, nuances azuladas.
Agora, entre ar e mar, ar-mar, a (r) mar, perdi o discernimento do lugar em que poderia estar.
Onde estou? Sei lá... Se no azul do céu, ou no azul do mar...
Ar e mar não mais estavam separados, como diferença de duas palavras. São uma coisa só: M-ar!
Deslizo, deslizo, deslizo...
(...)
De súbito... vupt.... Voltei ao meu lugar... O céu não era ar. O ar não era mar.
Uma pedra cinzenta, mínima, repousava, na areia, no meio de grandes pedras azuis.
(...)
O céu azul, o mar azul, grandes pedras azuis, e eu, cinza...
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