segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O Chamado.














Estava debruçado sobre a escrivaninha de madeira crua, quando ouvi baterem à porta pela primeira vez. Deixei passar alguns segundos antes de me levantar. Precisei pensar aqui sentado, mesmo com a decisão de abrir a porta já tomada.

Mas que diabos essa pessoa quer comigo?

Bateram novamente. Parece que sabem que eu continuo largado na cadeira, inspirando coragem para realizar o gesto derradeiro: Abrir a bendita porta. Nada espontâneo, sei disso.

Bateram outra vez. Quanta insistência!

Ainda sentado, depois da terceira batida, comecei a hesitar. Aquilo já passara dos limites. Minha irritação transbordou. Não aguento tamanha petulância!

Apareceu uma pontinha de desconfiança. Como poderiam saber que eu estava em casa? São tão óbvios assim os meus hábitos caseiros?

Tudo bem, admito... Eu quase não vou à rua. Mas agora tenho um bom motivo! Esse cheirinho de madeira crua, não envernizada, ainda sem estar queimada pela tinta, madeira recém cortada na fábrica de móveis, excita-me.

Queria poder me agarrar à escrivaninha, abraçá-la, sufocar-me em sua fragrância. Mas não param de bater nessa desgraça de porta! Cadê meu silêncio? Minha paz?

Finalmente resolvi me levantar. Fui até à porta, mas recuei.

Bem... Vou à cozinha coar um café. Quem sabe degustando um cafezinho eu consiga refletir melhor sobre a procedência do indivíduo que está lá fora perturbando minha paciência...

Geralmente o café estimula a memória ou então entorpece logo os nervos, com certa eficácia.

Eu poderia ir até à porta, espiar pelo olho mágico, ou simplesmente perguntar quem é. Mas se assim fizesse, seria um golpe fatal contra a incerteza da pessoa que me chama. Não teria mais dúvidas a respeito de onde eu estou. E se eu não quiser abrir a porta? Aí não teria desculpas... Abomino a ideia de revelar meu paradeiro.

Agora o telefone está tocando. Pararam de bater à porta, mas o telefone começou a tocar. Ai, meu Deus!

Voltei a me sentar à escrivaninha. Estou tão preocupado que não sinto mais o delicioso aroma da madeira crua. O café não fez o menor efeito.

Tenho que atender o bendito telefone? E se for a pessoa que desistiu de bater à porta e agora está me telefonando para saber se eu morri? Vou lá atender e matar essa dúvida!

Mas e se for a mesma pessoa que esteve batendo à porta da minha casa? Aí ela vai me perguntar por que, estando em casa, não fui abrir para ela entrar. Então, não saberei o que responder.

É melhor não! Não vou atender o telefone. Deixa ficar tocando...

Voltaram a bater à porta - e o telefone ainda não parou de tocar. Que barulheira dentro da minha casa! É como se não estivesse sozinho! Chamam por mim à porta de um lado, e pelo telefone de outro. Quero privacidade nesta merda! Será que não posso?

Será que a tal pessoa que está de pé diante da minha porta, plantada, também está me ligando pelo celular?

Quanto desrespeito!

Cheguei a pensar que pudesse ser um daqueles representantes comerciais para me convencer a comprar besteiras, para me empurrar quinquilharias goela abaixo. Teria que abrir e fechar a porta na cara dele de qualquer jeito. Para quê abrir, então?

Mas acho que não deve ser nenhum vendedor. Insiste muito! E além do mais, não saberia o meu número residencial. Muito estranho isso...

Minha cabeça está girando. Náuseas. Batendo à porta. Telefone tocando. Batendo à porta. Telefone tocando. Batendo ao telefone. Telefone à porta. Telefone batendo. Porta tocando...

(...)

Senhor! - Disse a atendente.

- O senhor já pode entrar. O doutor está à sua espera.

A atendente desligou o telefone pelo qual o médico havia me chamado. O doutor abriu a porta. Eu entrei...

CONTO ESCRITO por ALEX AZEVEDO DIAS.

6 comentários:

Anônimo disse...

Que mistura, hein?! Quantas coisas podem ser criadas em uma mente, quantas situações fantasiadas...
Mais um excelente conto, Alex!

Angélica Nunes disse...

.... era um consultório? caramba.. que era loucura eu vi que era... mas ele não tava em casa no fim da história...XD

adorei a história...Prendeu verdadeiramente minha atenção...

Alex Azevedo Dias disse...

Essa história eu escrevi rindo do início ao fim. Foi uma escrita muito prazerosa! Obrigado pelos comentários!

@blogOnirico disse...

Hipnotizante seu texto não consegui parar de ler e o final foi surpreendente locuco!

http://cidadeonirica.blogspot.com/

Francisco Saldanha disse...

e a nossa mente viaja..tantas coisas,tantos labirintos..adorei o seguinte trecho:"Tenho que atender o bendito telefone? E se for a pessoa que desistiu de bater à porta e agora está me telefonando para saber se eu morri? Vou lá atender e matar essa dúvida!"

abraço.

www.pospretudo.blogspot.com

Ankhmaya disse...

Conto bem divertido! Ele questionando a própria insanidade é ótimo! Ainda mais quando ele pensa que se atender o telefone pode ser a mesma pessoa que está batendo à porta... Quantas vezes eu já não fui pego nessa situação, mas graças a Deus, foi uma insanidade momentânea, o que não parecer ser o caso.. eheheh

Parabéns, Alex!
Forte Abraço
PS: Não tem a possibilidade de aumentar a "Escolha de identidade" para comentar? (Não uso o google pra nada, a conta que tenho lá é BEM antiga).