Neste presente artigo, focarei a relação existente entre a consciência e o inconsciente, articulando-a com a questão do esquecimento.
Em psicanálise, o esquecimento ganhou uma nova perspectiva. As tradicionais bases biológicas saíram de cena para que as causas inconscientes subissem ao palco do sujeito humano.
Há uma frase dita por Freud que foi considerada como a terceira grande ferida na vaidade do conhecimento e do poder dos homens: - A consciência não é a senhora em sua própria casa! Historicamente, a primeira ferida no orgulho da humanidade foi a revolução de Copérnico, astrônomo que descobriu que a Terra não é o centro do universo, mas sim o Sol. A Terra, planeta supostamente grandioso em torno do qual os outros míseros planetinhas giravam, foi rebaixada à categoria de mais um planetinha em órbita no sistema solar - sem nada especial em relação aos demais.
A segunda ferida derivou das pesquisas de Darwin sobre a evolução das espécies, gerando enorme abalo nas teorias cristãs sobre a gênese. Enquanto o criacionismo atribuía um surgimento divino aos homens, herdeiros de Adão e Eva - criações diretamente das mãos de Deus -, já o evolucionismo de Darwin impôs a descoberta que o homem não descende de Deus, mas sim dos símios, ou seja, de macacos e de chimpanzés.
Para ilustrar essa questão trazida por Darwin, recordo-me de um livro do Umberto Eco, “Em Nome da Rosa”, que foi adaptado para o cinema, abordando, dentre outros temas, o tabu das proximidades do homem com os animais. Na Idade Média, o riso era condenado pelo clero secular como heresia, pois rir transformava a fisionomia humana
Como curiosidade, enquanto o riso foi condenado e proibido na Idade Média, atualmente houve uma inversão. Nos dias de hoje, o riso passou a ser recomendado como necessidade vital, remédio contra o mal. A tristeza, no nosso mundo, é que passou a ser a grande vilã. Ninguém mais tem o direito de estar triste. Atualmente, é a tristeza que é condenável. Mas é interessante notar que o ato de sorrir e o de chorar são bem parecidos fisicamente, mexendo com a mesma quantidade de músculos. Tem pessoas sobre as quais não sabemos identificar quando estão rindo ou chorando. Mas o essencial é que tanto rir quanto chorar são afetos tipicamente humanos.
Já na teoria freudiana, associada à terceira ferida narcísica, foi descoberto que a razão perdeu a posição central. O inconsciente é o verdadeiro comandante, legítimo senhor na casa da consciência. Tudo aquilo que escapa à consciência, fonte de impulsos repetitivos, mesmo que realizados com resistência e censura, é determinado pela lógica do inconsciente.
A consciência, diferentemente da expressão conhecida como “tomar consciência”, ou “conscientizar-se”, é uma instância psíquica regulada pelo que Freud chama de princípio da realidade. Essa realidade, que responde por uma ficção particular e coletiva para garantir o laço-social, funciona como uma peneira que separa o conteúdo que deve ou não deve ser inscrito na consciência. O problema - ou solução - é que essa operação de filtragem da consciência, que é o lugar das fantasias do ego, sempre deixa alguma falha, fracassando em conter a totalidade dos impulsos indesejáveis.
O “esquecimento” - que não é um esquecimento qualquer - consiste nessa operação de falha, quando o que deveria continuar no inconsciente vem à tona, insistindo
Quando o inconsciente se manifesta, a tendência é de não reconhecermos seus impulsos como advindos de nossa mais íntima realidade psíquica. O psicanalista Lacan chama esse lugar em que os desejos recalcados estão inscritos, de grande Outro. Esse Outro não é nem alguém, nem alguma coisa, mas sim o discurso do inconsciente. O sujeito está dividido entre o seu querer consciente, e o material reprimido do seu desejo inconsciente. E é sempre ao falar, que o sujeito manifesta a linguagem inconsciente. Nos tropeços, equívocos e lapsos, quando o sujeito fala uma coisa querendo ter falado outra, é que o inconsciente, conteúdo que mais lhe concerne intimamente, mas que justamente por isso está mais esquecido, acaba vindo à tona com força total.
Freud, sobre essa questão, exemplifica com o caso de um presidente de um órgão público, responsável por abrir uma sessão, que constata a presença dos membros e diz o contrário do que pretendia dizer, declarando que a sessão estava encerrada, em vez de aberta.
Conscientemente ele teria que abrir a sessão, mas inconscientemente desejava encerrá-la. Por isso, a linguagem do seu inconsciente escapou da vigilância do ego, invertendo o que ele queria dizer.
O que está mais esquecido, é exatamente o que há de mais importante na vida de alguém. Sempre que um sujeito esquece, não é à toa. É claro que existem causas orgânicas para os esquecimentos, como lesões fisiológicas. Porém, na maioria das vezes, o que esquecemos está subordinado a uma causa psíquica. Aquilo que mais diz respeito a nós mesmos, mas que nos ameaça a identidade social, acaba se transformando no material recalcado do inconsciente.
Para ilustrar essa dinâmica do recalque, Freud dá o exemplo de uma pessoa assistindo a alguma conferência num auditório, tumultuando tudo, ao invés de ficar
É nesse sentido que o retorno do recalcado, o discurso do Outro, que é o inconsciente, impõe à consciência medidas urgentes de defesa contra o que ela não é capaz de assimilar. A consciência interpreta o material recalcado como oriundo de eventos traumáticos, associando-o a impulsos hostis e indesejáveis. É por isso que Freud compreende que quanto mais um desejo familiar retorna do inconsciente, mais o ego fica estranhamente inquieto. Porém, é justamente essa estranheza que retorna do inconsciente, o que há de mais familiar para um sujeito.
É nesse ponto que a função do “sintoma” é convocada para suprir as necessidades de um ego fragilizado. Quanto mais o recalque pressiona para voltar, mais o ego regride às origens dos primeiros eventos traumáticos responsáveis pelo recalque, que são principalmente originados na infância do sujeito - fase na qual as instâncias psíquicas vão se constituindo intimamente.
Freud diz que o ego é o maior dos sintomas, pois ele tenta bloquear esses impulsos do inconsciente. Só que o sintoma é uma espécie de calosidade feita pelo excesso do recalque que é derramado no ponto em que a defesa falha. Ao mesmo tempo em que o sintoma tenta conter o recalque, para não invadir a consciência, o sintoma é feito pela própria matéria-prima do recalcado.
O conceito de sintoma em psicanálise nada tem a ver com o que a medicina entende por sintoma. Em psicanálise, o sintoma é um mal necessário, pois organiza a realidade do sujeito em sua vida pessoal e social. O sintoma obsessivo-compulsivo, por exemplo, como aquele de sempre voltar ao mesmo lugar para verificar algo, ou lavar as mãos diversas vezes, ou mesmo girar a maçaneta e a chave de uma porta repetidamente, causa um grande incômodo para o sujeito, mas é exatamente isso que evita que esse sujeito entre em contato direto com o seu desejo inconsciente - associado a um impulso hostil, a um evento traumático que acaba se mantendo afastado da memória afetiva do sujeito. É quando esse sintoma desconfortável começa a falhar que o sujeito se sente exposto às suas verdades inconscientes que o determinam, mas sobre as quais ele nada quer saber.
O inconsciente não é uma continuidade em relação à consciência. Não tem ligação com aquilo que alguns chamam de “subconsciente”, que está abaixo da consciência. Para a psicanálise, o inconsciente é uma instância psíquica individual, que tem suas leis e sua própria lógica.
Para concluir, o esquecimento em psicanálise nunca é por acaso. O esquecimento, conhecido como “recalque”, quando não é por lesão orgânica, está associado ao retorno dos impulsos inconscientes que insistem na livre expressão, rejeitada pela consciência. Num tratamento psicanalítico, o conteúdo inconsciente vai gradativamente ganhando espaço, sendo assimilado e reconhecido até chegar à elaboração psíquica com os recursos simbólicos do paciente. Em alguns casos, o material recalcado que não ganha expressão, também pode ser convertido no aspecto de lesões corporais, tendo como causa a atividade do psiquismo. Afinal, o inconsciente busca expressão. Caso os conteúdos recalcados não sejam realizados simbolicamente, na expressão da fala do sujeito, ele retorna no corpo, ganhando expressão orgânica.
ARTIGO ESCRITO por ALEX AZEVEDO DIAS.