Ismael sentia calafrios só de pensar em Adèle - mulher faceira e perigosa. Gestuais sinuosos e frágeis, formando símbolos no ar pela firmeza de suas mãos, ao penetrarem o sólido terreno da linguagem corporal, contrastavam em labaredas de uma personalidade que derretia os menos avisados ao ousarem chegar muito perto da moça.
Uma irresistível atração não permitia que Ismael se afastasse de Adèle durante as inúmeras repetições do seu vozerio atordoante. O tempero da relação dependia dessa pitada de fúria latente, aquecendo o casal debaixo dos lençóis. Quando a ferocidade se convertia em volúpia, ambos terminavam engalfinhados até no piso frio ou no carpete empoeirado. Só que o mesmo deslimite que emprestava suficiente virulência para os prazeres íntimos, explodia em desafiadoras lâminas que se embebiam em envenenados curativos.
A ação impiedosa da boca maldita era capaz de decapitar qualquer resíduo de satisfação sonolenta que tivesse a audácia de colocar o pescocinho para fora dos panos
Embora Ismael se reduzisse a um estado deplorável, não se ofendia pelas reações intempestivas da mulher. Muitas vezes, submerso no festival de pancadarias e bordoadas deixadas pelos punhos, joelhos e unhas da irascível Adèle, Ismael se surpreendia com certo gozo pornográfico que exalava de suas feridas. A fúria incontrolável da mulher causava tantas excitações quanto mais pulsantes eram as dores físicas. Após os primeiros tabefes, apesar de acuado e severamente machucado, já respirando com dificuldade e dobrado sobre as pernas, em forma de concha, pelo impacto sofrido no diafragma, Ismael teve uma leve dúvida - com mais certeza do que desconfiança - que naquela posição humilhante, um estranho frenesi percorria enfaticamente os seus membros inferiores.
Logo a certeza irrefutável substituiria a cambaleante dúvida. As dores impressas em seu esmurrado corpo franzino caminhavam de mãos atadas com a crescente manifestação de um erotismo súbito, indecoroso e desavergonhado que vibrava em suas partes baixas. Cada pancada era uma alegria com cara de agonia. Sorria com o semblante contraído, revelando falsa angústia. Celebrava cada arranhão na alma introduzido por seus pequeninos olhos assustados. Em meio aos destroços de si, da dor impingida por cada mordida ferina da mulher, reconhecia que o sentimento que lhe cumprimentava em seus refolhos mentais só poderia ser a tal da felicidade.
E assim se sucedia a crueldade apaixonante de Adèle. Atração fatal que produzia um empuxo no faminto desejo de um homem que implorava pela maciça e exclusiva presença daquela que o arranhava por inteiro, mas que, enquanto isso, ela não seria de mais ninguém. Ele pedia e ela o torturava. Ela o feria e ele negava o prazer, acusando-a.
Ismael sentia calafrios só de pensar em Adèle - mulher faceira e perigosa. Talvez ele não a amasse, mas amava ser seu foco de extermínio. Era assim que ele existia, era assim que ele garantia seu lugar no desejo de Adèle. Sentia-se vivo ao apanhar. Mas não de qualquer uma. Apenas da Adèle - mulher faceira como erupção e perigosa como uma pétala de rosa.
ESCRITO por ALEX AZEVEDO DIAS.
2 comentários:
Erótico na medida certa...
Adéle sem dúvida uma mulher de temperamento forte e apimentada. É disso que os homens gostam, ser sexo frágil já saiu de moda.
Texto sensual, sem apelações...
Enquanto lia fiquei imaginando cenas do filme "Atração Fatal".
Existem relações que são basedas em sentimentos, e outras simplesmente são carnais, mas Ismael e Adéle vão além...seguem até as últimas consequências, puro êxtase.
Amigo parabéns por mais uma bela postagem.
Abraço
Lucyano
http://cinemaparceirodaeducacao.blogspot.com/
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