sexta-feira, 12 de junho de 2009

O Nascimento de Vênus: Posição feminina

Gostaria de tentar delimitar algumas questões sobre a sexualidade feminina. Se há uma sexualidade restrita ao feminino, como o "Outro sexo", ou se é uma versão fálica, da libido masculina. Pensar a sexualidade enquanto dialética do ter e do ser a dimensão fálica; do falo enquanto significante da falta, inscrevendo a falta-a-ser do sujeito do inconsciente. Uma mulher desliza entre a posição de Ser o falo, como objeto do desejo de um homem; e Ter o falo, estando o bebê como equivalente fálico na metonímia do desejo.

Vamos ver o que diz Lacan (1998, p. 739), a respeito da introdução do falo no modo de subjetivação da mulher, ao inscrever a função peculiar de sua sexualidade: "Seja como for, reencontra-se a questão estrutural introduzida pela abordagem de Freud, isto é, a de que a relação de privação ou de falta-a-ser simbolizada pelo falo se estabelece, como uma derivação, com base na falta-a-ter gerada por qualquer frustração particular ou global da demanda - e de que é a partir desse substituto, que afinal o clitóris instaura antes de sucumbir na competição, que o campo do desejo precipita seus novos objetos (antes de mais nada o filho por chegar), pela recuperação da metáfora sexual com que já estavam comprometidas todas as outras necessidades".

Didier-Weill (2007, p. 105), diz: "Na estruturação da convocação masculina, o Complexo de Édipo declina com a entrada em cena do Complexo de Castração, quando a metáfora paterna, a função de introdução da falta simbólica produtora do desejo, atribuída à mediatização pela intervenção da lógica paterna, inscreve a dimensão da falta com a interdição do incesto. A metáfora paterna baliza, então, o gozo da função materna, o que constitui o âmbito do ideal-do-eu e o corte fundamental que é a angústia da ameaça de castração. Assim, o menino convocado na dimensão de sua castração simbólica, de seu recalque originário, identifica-se à função paterna e articula o enquadramento de sua identidade simbólica na convocação social da função fálica que exerce o poder de representar a posição masculina.Para Freud, o Pai da horda é dito primitivo, mas, na verdade, é revelado pelo Filho, já que é preciso o ato parricida cometido pelo Filho para que, no só-depois, surja, por intermédio do remorso, a significação do Pai. Ao contrário, para Lacan, o Pai precede o Filho: a significação da filiação é o efeito do só-depois de uma metáfora paterna. Assim, para Freud, o sujeito não pode superar a culpa edipiana, já que ela não remete apenas a uma fantasia, mas ao ato real de um parricídio."

Então, entendo que já na estruturação psíquica das meninas, há uma inversão, o Édipo não é totalmente finalizado, fica em aberto, à espera de um homem que a situe e lhe dê o tão esperado “presente” que seu pai não permitiu lhe dar, um bebê. Quando a menina percebe a falta fálica em sua mãe, depara-se com a impossibilidade que seu clitóris se desenvolva e transforme-se num pênis, então, ao contrário do que acontece nos meninos, a castração se instaura num primeiro momento, advindo o Complexo edipiano, somente depois da constituição da castração do falo imaginário, fazendo com que a menina se identifique ao pai e rivalize com a mãe, estendendo a promessa edípica de receber o presente-falo do pai como um filho que se presentificaria em substituição à sua falta fálica.A maternidade, então, na concepção psicanalítica, consiste no fenômeno capaz de promover uma assunção enquanto insígnia da feminilidade, sugerindo uma das saídas possíveis para o irredutível prolongamento das relações edípicas de uma menina.

No advento da maternidade, uma mulher finalizaria de uma vez por todas seu Complexo de Édipo, lidando com as peculiaridades num fazer-se mulher, operando na falta radical de um significante no Outro que represente a mulher. A rigor, para a psicanálise, só existe um único sexo, o masculino, no qual circula a libido no gozo fálico. Só em 1923, com a introdução da fase fálica na teoria da libido (Freud, 1923), é que ficou mais clara uma de suas afirmações mais contundentes neste assunto: aquela que diz só existir um sexo, o masculino. O feminino é a diferença, o negativo, o não-todo fálico, o gozo do Outro. Deste modo, há um devir mulher, a mulher acontece, é pura contingência.

Há uma falta radical de um significante no campo do Outro que represente a mulher. O feminino não se constitui na ordem de um dom simbólico, de um traço fálico em torno do qual se circunscreve a posição masculina. Há uma posição feminina, mas não há um significante da mulher. Uma mulher existe, faz-se mulher não só pela marca da instância fálica, mas como não-toda fálica, somente quando se deixa tomar pelo desejo de um homem ou quando comparece sua feminilidade no advento inefável da maternidade, fazendo-se dele seu objeto de desejo. Lacan (1985) diz que não existe propriamente uma simbolização do sexo da mulher, não existe um significante que represente a mulher, e que a saída da fase fálica está ligada à descoberta que o pênis não é o falo, mas apenas um dos seus representantes, pois o falo real não existe.Na configuração a priori de uma mulher, é a primazia da castração real que está em jogo, de uma devastação com a mãe, de um lugar impossível de transmissão da feminilidade, de uma falta estrutural. Ou seja, a falta de um traço universalizante capaz de identificá-la como pertencente a um grupo.

Uma mulher, diante da falta estrutural de um significante no campo do Outro que represente o impossível da relação sexual, identifica-se ao desejo da Outra mulher. Uma mulher deseja o desejo dessa Outra mulher, deseja desejar como a Outra mulher deseja, supondo um saber, algo que a Outra mulher tem que ela não tem, que possa dar respostas, que possa dizer sobre o enigma do que quer uma mulher. No caso Dora relatado por Freud, quando o discurso do senhor K faz decair o desejo da senhora K, ao qual Dora se identificava, essa sustentação fantasmática caiu e Dora passa ao ato, identificando-se ao objeto a, dando um tapa na cara do senhor K.

O que o homem porta para uma mulher, é o seu próprio desejo. Já vi um caso em que uma mãe endereçou uma queixa ao analista, sobre a mudança repentina de sua filha, situando o nascimento de um irmãozinho como marco originário. Numa outra sessão, é o pai que leva a filha à analista, dizendo que houve uma melhora e que ele só levou a filha porque ela quis muito que essa analista visse a bonequinha que o pai deu a ela. Mas é exatamente isso que está em jogo, uma "ferida" narcísica incicatrizável, e a reinvidicação de um impossível que essa filha faz a sua mãe. Pois sobre a promessa edipiana, percebendo que o falo da mãe é essa filha, ela então percebe que se a mãe é desprovida de pênis, é o pai que ocupa o lugar de entregar à mãe esse pênis, que no caso, a filha representa.Então a menina entra no Édipo com o pai, esperando ela mesma, receber o seu suporte fálico. Só que o pai a "trai", e ao invés de dar um bebê/falo para ela, acaba dando para a sua mãe.

Daí a revolta da menina, que competia o amor desse pai com a mãe, mas é a mãe que continua a ganhar os presentes fálicos desse pai. Até o momento em que o pai presenteia essa filha com uma boneca, simbolizando assim esse movimento, significando que o pai pôde fazer essa trasmissão fálica a essa filha. Ou seja, um filho real eu não posso dar, mas uma boneca sim, que signifique essa herança da promessa edípica.Nenhum sujeito pode ostentar o falo, justamente por estar fundado na ordem de um impossível. A ostentação fálica é impossível, pois não existe falo real.

O sujeito pode sustentar o falo, e não ostentá-lo... sustentação no âmbito do simbólico, sustentação na ética do desejo, em sua lei simbólica.Não é da ordem do saber, muito menos da intenção... É uma outra articulação que se opera no inconsciente... E outra coisa, o inconsciente não tem fundamento, constitui-se numa construção atemporal. Então, a menina não sabe, pois a boneca é uma metonímia do falo.O que uma mulher quer ao ter um filho, para além de estancar a ferida de sua falta fálica? Por isso a dificuldade de ser mãe, de liberar seu filho através da constituição da significação fálica, para não obturá-lo, na impossibilidade do luto, como objeto de gozo do Outro.

Referências Bibliográficas:

FREUD, Sigmund. "Organização Genital Infantil: Uma Interpolação à Teoria da Sexualidade", 1923; in Ed. Stand. Bras, vol. XIX; Rio de Janeiro. Imago Editora, 1976.
________: "Sobre o Narcisismo: Uma Introdução", 1914; idem, vol. XIV.
________: "A Dissolução do Complexo de Édipo", 1924; idem, vol. XIX.
________: “Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade”, 1905; idem, vol. VII.
LACAN, J. “Escritos”. Rio de Janeiro: Companhia de Freud Editora – Jorge Zahar Editor, 1998. – “Diretrizes Para um Congresso Sobre a Sexualidade Feminina”.
________: “O Seminário, livro 4. “A Relação de Objeto”; Rio de Janeiro. Zahar Editor, 1995.
DIDIER-WEILL, A. “Quartier Lacan”. Rio de Janeiro: Companhia de Freud Editora - José Nazar Editor, 2007.


texto escrito por Alex Azevedo.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

A Paixão: Um Fantasma Objetal.

A partir do que Lacan enunciou, afirmando que o Outro não é a imagem refletida no espelho, mas sim o próprio espelho, podemos pensar que o Outro é o contorno significante do furo dessa imagem, regulando a realidade do desejo.Sendo assim, quando o sujeito se apaixona, numa incomunicabilidade fundamental, por não haver outro sujeito, é o objeto fálico que se presentifica. A paixão não é pelo outro, mas pelo objeto que esse outro supostamente pode oferecer. O objeto não é nem do Outro, nem do sujeito, mas se depreende, cicunscrevendo como furo significante, a falta fálica que é a própria substância do objeto, a castração por não ser total para o campo do Outro.
O furo do objeto, como suporte da falta, internalizado subjetivamente, é o que o sujeito, numa projeção fantasmática, identifica como estando no outro imaginário, como aquilo que o outro pode oferecer para substituir a perda simbólica na dimensão Outra do inconsciente.O objeto está fixado na estrutura da linguagem, na alteridade simbólica do inconsciente, regulando o circuito pulsional. O que se desloca são os envelopes significantes, as nomeações que presentificam o objeto, como numa cadeia metonímica.
É nessa operação, submetido ao gozo da paixão, que o sujeito pega emprestado, apropria-se do nome do Outro, envelopando a evanescência do objeto, revestindo a castração com esse envelope significante do nome do Outro. Com esse envelope nominal, o sujeito passa a acreditar que o objeto veio do representante imaginário do Outro, os outrinhos da fantasia, como aquilo que esse outrinho ilusoriamente ofertou na direção do seu amor, que se traduz pela função do sintoma.
Só que o Outro transmite significantes, que ultrapassam o sujeito em sua constituição, e não objetos. Seus significantes encobrem, fantasmaticamente, o furo inscrito pela falta do objeto, na subjetividade do sujeito. Porém, no ato de velar a falta, esta revela-se nos interstícios significantes, estando o significante fálico, o significante da falta de um significante no campo do Outro.A paixão se dá por uma alienação ao gozo objetal, por um recorte, por uma pulsão parcial que possibilita que o sujeito se deixe capturar por esse recorte do Outro.
O que desliza não é o objeto, mas sim o posicionamento de significância do sujeito diante desse objeto. O sintoma, irremovível em seu artifício desejante, estruturando as ficções simbólicas de um sujeito, quando desloca, incluindo o analista, no dispositivo clínico, não faz deslizar o objeto, mas sim os significantes que permitem a emergência desse objeto suporte da falta, envelopando-o.Na paixão, com os (des)encontros libidinais, o objeto do campo do Outro se torna instrumento para alavancar o mais-de-gozo do sujeito. Mas é o objeto que captura o sujeito, como suporte da falta de um significante que dê conta da não relação sexual. O Outro, como suporte que emoldura o especular, faz o sujeito gozar com a imagem de si refletida, no escopo narcísico da paixão.
Na paixão, o nome da série de outrinhos imaginários, do rapaz ou da mocinha, desliza na sucessão significante que envelopa o brilho fálico do objeto. Nessa repetição obturada pela paixão, em que o "mais um" causa o que se presentifica da falta estrutural do sujeito, é diferente da angústia da falta na castração, que convoca o sujeito numa retificação de sua demanda, no processo de análise.
Na paixão, o furo comparece justamente na dimensão daquilo que preenche a falta fálica do sujeito, estando o narcisismo enquanto fina película encobridora da castração. Mas a castração da diferença sexual é intrínseca ao posicionamento do sujeito, sempre articulando o narcisismo à ferida, à escolha objetal: "Nasce-um-cismo"!
Então, para concluir, já num para-além da problemática da paixão, Lacan diz que a angústia não é sem objeto. Mas um objeto como moldura das fixações pulsionais, subsumido em sua natureza. Mas a angústia, como conseqüência objetal, permite, na constituição do sujeito, uma mobilização das nomeações do objeto, como deslize do sintoma, incluindo-se à figura do analista. Então, não é o objeto que se desloca no processo de luto suscitado pelo dispositivo analítico, pois o objeto continua lá, como adesivo de gozo para um sujeito. O que desliza, como deslocamento sintomático, são os nomes atribuídos ao objeto. É a metonímia.

Texto escrito por Alex Dias.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

O Nascimento da Verdade.


Atualmente estou causado pelo que faz contorno no recorte da verdade. Será que poderíamos pensar que a verdade se constitui como um modo de posicionamento, na circunscrição da diferença sexual, no que diz respeito ao gozo do Outro?
Na dialética do semi-dizer, operada pela construção significante, ao cingir o real, o objeto suporte da falta é bordejado, emoldurando-o no deslizamento significante.
Ao balizar algo do gozo pulsional, como um avatar da subtração pela ordem fálica, causa do discurso, esse resto indizível que cai, irreconciliável e irredutível, configura-se num registro, fazendo furo ao saber. Aponta, então, para o suporte da falta, para a verdade, restando apenas ao sujeito bem-dizer seu sintoma, ao supor um saber ao Outro daquilo que lhe escapa.
"Digo sempre a verdade; não toda, porque dizê-la toda não se consegue. Dizê-la toda é impossível materialmente: faltam palavras. É justamente por esse impossível que a verdade provém do real." (Lacan - Televisão)
Mas para situar a minha questão, penso que a verdade está menos num viés de saber, do que submetida ao tempo. A verdade é um rasgão lógico do recalque priomordial, posição do impossível, como terceiro ao sexo.
Será que a verdade concerne num tempo anterior ao saber, no ponto de impossível da "ex-sistência" da relação sexual, sem representação no inconsciente, que inaugura a constituição do sujeito?
Será que a verdade concerne ao ato de escolha dos sexos, diante da castração, como fundação do inconsciente? Será que a verdade está do lado do sujeito, ou do que está desde sempre perdido, que o ultrapassa, que aliena o sujeito ao desejo do Outro?
Porém, é justamente esse objeto vazio, no "entre-dois", como terceiro, na dialética do sujeito-Outro, que lhe escapa, mas que é tão íntimo a ele, que o sujeito precisa subjetivar; objeto inapreensível, acessando-o apenas pela precariedade de sua produção fantasmática?
Na constituição do sujeito, quando a mãe sustenta seu bebê, algo para-além da necessidade é operado, pois as palavras são transmitidas. O bebê recebe aquilo que a mãe, em sua função, lhe oferta, significantes. É nesse instante, numa alienação radical ao desejo da mãe, que o bebê se submete, na ordem da linguagem, a desejar que a mãe o deseje, desejando apreender algo insimbolizável, que se situa como os restos das nomeações, das significações que a mãe veicula, transformando a necessidade em demanda.
Mas ao presentificar sua divisão, no tempo do olhar, essa mãe após fixar sua libido em seu bebê, busca, numa a posteriori fundamental, encontrar o olhar de um homem, pai de seu bebê. A função paterna se introduz no discurso da mãe, produzindo o campo da impossibilidade, da perda do objeto imaginário, barrando a identificação do bebê em ser o objeto fálico que obturaria a falta dessa mãe.
Mas para não desviar tanto do percurso de minahs elaborações, gostaria de retomar a questão que formulo: É possível supor a verdade ao analista? Será a verdade um viés do tempo e não do âmbito do saber? A verdade diz respeito à escolha sexual, ao ponto de impossível da relação sexual? A verdade diz respeito à posição do sujeito, no tempo lógico, como menino ou menina, diante do gozo do Outro, antes mesmo de que o saber se opere?

Questionamentos:
Todos os analistas, quando estão com seus analisandos, estão na posição feminina? E é essa posição de causa, posição feminina do analista que possibilita o desejo? O desejo não é volitivo, não tem nada a ver com a vontade. Então, por que aquela coisa desagradável insiste, retorna, escapa ao prazer? Por que será que tanto aquilo que vai contra a vontade, continua lá, intacto, buscando se satisfazer? Ora, isso é o desejo, essa coisa incômoda, o resto, o que o sujeito não quer, mas nunca vai embora, pois ineliminável e irrealizável.... Esse resto pode acarretar numa atuação daquilo que se repete, atuação das adesividades de gozo, das fixações da libido, constituindo o campo do impossível, daquilo que não se opera pelas simbolizações. Posição feminina esta que constitui a causa do analisando.
Todo analisando, mesmo que não estruturado na neurose histérica, histericiza o discurso. Todo analisando, endereçando sua falta como demanda de amor, colocando o analista em transferência, em sua série sintomática, tem o discurso histérico. Numa análise, o discurso histérico como sinônimo do discurso do analisando, viabiliza que o único discurso existente numa psicanálise é o discurso do analisando (discurso histérico), por isso que não há uma fala do analista, pois o analista opera como causa desse discurso. A aposta, então, é que, numa psicanálise, o sujeito constitua a ética do seu desejo, formulando um saber que presentifique a singularidade do traço inerente ao subjetivo, como articulado aos faltosos significantes do Outro, do discurso do inconsciente. Possa elaborar o luto do objeto perdido, luto de suas ficções (fixões), ressignificando e deslocando na semi-verdade que é indissociável de suas particularidades, da linguagem do Outro que fala como discurso do analisando, daquilo que é mais refratário e indomável, ou seja, das peculiaridades de um sujeito desejante, de um falasser, de uma falta-a-ser.

Referências Bibliográficas: LACAN, J. Escritos - Campo Freudiano no Brasil. Jorge Zahar Editor.
FERREYRA, Norberto. A Experiência da Análise - Companhia de Freud. José Nazar Editor.


texto escrito por Alex Dias.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Ex-timidade

O recalque é o que há de mais Outro para um sujeito. Isso que retorna, repete, insiste, fazendo sintoma, é tomado pelo sujeito em sua dimensão exterior, estrangeira, estranha; pressionando para falar, como se fosse uma possessão demoníaca. Mas o sujeito, numa alienação, escolhe nada saber sobre seus impulsos mais íntimos, deslocando-os para o exterior. E o retorno desses impulsos recalcados, deslocados para o exterior, faz o sujeito sofrer como se fosse uma experiência de invasão. Freud já dizia: "... se a teoria psicanalítica está certa ao sustentar que todo afeto pertencente a um impulso pulsional, qualquer que seja a sua espécie, transforma-se, se recalcado, em angústia, então, entre os exemplos de coisas assustadoras, deve haver uma categoria em que o elemento que amedronta pode mostrar-se ser algo recalcado que retorna" (1919 - v.XVII - p.300).
E esse retorno que insiste, que pressiona, causando um estranhamento, é o que há de mais familiar para um sujeito, mas que atravessou distorções na fantasia através do mecanismo do recalque. Então, nesse retorno do material recalcado, expresso pela compulsão à repetição, fazendo sintoma, formações do inconsciente, captura o sujeito na ordem de seu complexo de castração. Essa experiência de inquietante estranheza, tomada pelo sujeito como vindo de fora, configurada como algo que vem de um lugar Outro, em sua radicalidade, é o lugar no qual o desejo do sujeito se inscreve. Então, esse Outro, essa alteridade do recalque que não cessa de retornar, de repetir, é o lugar por excelência onde o desejo se inscreve. O Outro, lugar desse desejo estranho, então, é o que há de mais íntimo para um sujeito.

texto escrito por Alex Azevedo.

sábado, 21 de março de 2009

O Furo no Ideal-do-Eu.

O que constitui um pacto simbólico, um laço social?
No mito científico freudiano, o pai da horda primitiva, construido em "Totem e Tabu", faz a exceção do Outro, portador do objeto sagrado, intocável, promovendo a proibição do "incesto", no caso, a posse das mulheres tribais. Em um ato de parricídio, os filhos, em suas posições hierárquicas diante do Outro exceção, entregam-se à devoração, desmaterializando esse pai. Esse ato, então, destitui a ordem paterna no real, internalizando-a, inscrevendo a lei, enquanto função simbólica, organizando as pulsões, como metáfora paterna. Os tribais da horda primitiva, passam a se constituir pela culpabilidade, totemizando esse lugar de terceiro, ocupado pelo Outro exceção, como artifício de simbolização desse pai morto pelas fúrias pulsionais. Então, esse Outro simbólico, não mais externo, no real, organiza a sociedade enquanto inscrição fálica do recalque.
A humanidade de cada sujeito se viabiliza através desse Outro exceção, constituindo o "ideal-do-eu" como referência a um enquadramento desse grupo social, identificando nesse lugar do Outro exceção, tanto a possibilidade de exclusão, quanto de legitimidade em relação a um determinado comportamento como circunscrito numa referência de identidade.
Esse Outro que autoriza uma existência, como inscrita numa função simbólica, marcada pela diferença sexual e pela diferença geracional, é o representante da exceção que só legitima uma atitude de um sujeito, seguindo a lei simbólica da humanização.O ideal-do-eu, como instância simbólica, faz o sujeito percorrer essa representação do Outro como recurso à sustentação de sua humanidade, caso o seu comportamento extrapole essa lei simbólica, rompendo o pacto social enunciado pelo Outro, esse sujeito se desumaniza, deixando de pertencer ao grupo regido pelas insígnias referenciais do Outro exceção.
Por exemplo, numa deteminada época, o lugar do Pai era aquele do direito divino, como um grande sujeito canonizado, sendo este recalque a definição do que está ou não dentro de uma "humanização" regulamentada por uma normatividade religiosa. Após esse período, na estatatização enquanto suporte da lei paterna, o Estado laicizou a ordem paterna, reconstruindo e deslocando a significação fálica para o lugar do Outro Estado, sendo a instância da exceção que legitimava ou rejeitava uma produção humanizada, disciplinando as "verdades" de um sujeito como pertencente ou não de um conceito de humanidade vigente.Mas e na "pós-modernidade"? Por mais que houvesse, no processo de transformação, no patriarcado, de uma ordem sacralizada da ordem paterna, como Outro terceiro, da exceção, para uma ordem laica do Estado, elementos e correlações que indicassem a implicações de perdas, nesses movimentos de deslocamentos, a inscrição simbólica permanecia preservado. Mas na "pós-modernidade", não há o que implique em perdas nesse deslocamento da inscrição simbólica das pulsões, pois na própria "pós-modernidade", a inscrição simbólica sofreu uma destituição radical, um declínio da metáfora paterna que desorganizou o circuito pulsional, desumanizando o sujeito, pela desistência da lei do seu desejo.
Ao meu ver, o ódio perdeu o balizamento do verbo, e sem essa sustentação discursiva, pela ordem fálica, o ódio passou a ser realizado enquanto "passagem ao ato". O que inviabiliza como suporte pela linguagem, retorna como ato, fazendo estragos por uma violência dessimbolizada. O que, então, na "pós-modernidade" pode reivindicar o lugar do Outro exceção? Um efêmero personagem de telenovela global, sem consistência de referências? O simbólico está dessubjetivado, e só comparece no exterior real? O que então faz sintoma se houve uma falência do lugar simbólico do Outro? Onde está o recalque organizador da sociedade? E o ideal-do-eu, presentificado pelo amor edipiano, foi extinto? O supereu que assegurava o ideal-do-eu, perdeu sua função, que era balizar a ética que humanizava um sujeito?

Um adendo:
No mito da horda primitiva, o Outro exceção, o Pai real, que possui todas as mulheres, o "Um", escapa à castração, porém constitui, marcado por essa exceção da castração, um conjunto universal de homens organizado pela função fálica, pela castração simbólica. O que, por sua vez, inscrevendo a função simbólica nas pulsões, produz a fundação do sujeito.
A castração não constitui um respeito ao outro semelhante como lei escrita... a castração constitui sim, a própria dimensão do Outro como Lei simbólica, como Lei inscrita, balizando a relação do sujeito com os outrinhos de sua realidade imaginária. A vergonha, como um dos destinos do constrangimento, de uma inibição desejante, como estrutura obsessiva, está lá como um substituto da culpabilidade, como já uma produção dessa nova economia psíquica. A ausência de vergonha, pode tanto concernir ao desmentido da lei paterna, no campo estrutural da perversão, ou mesmo como o traço por excelência que sustenta uma fantasia neurótica, quanto dizer respeito à operação de culpabilidade diante do "banquete totêmico".

Os livros que me inspiraram a escrever esse texto, suscitando esses questionamentos, foram: "A Arte de Reduzir as Cabeças", de Dany-Robert Dufour e "O Homem Sem Gravidade", do Charles Melman e Lebrun.

texto escrito por Alex Azevedo.

sábado, 24 de janeiro de 2009

Carnavalização da Lei.

Podemos pensar o fenômeno da carnavalização, como aquilo que destitui, como na dimensão de um teatro, os sistemas e padrões baseados em valores pré-estabelecidos. No carnaval, o brasileiro ensaia cenicamente as transgressões do cotidiano, utilizando o conteúdo latente do recalque, para sublimá-lo numa exibição ao público, seus rasgões pulsionais, em semânticas invertidas, balizadas pelo cenário foliônico. As máscaras da fantasia, velam e revelam a angústia da castração, expondo o inominável e a obscenidade, exercendo uma transmissão gozosa com o olhar, com a pulsão escópica. Esse olhar reflexivo, como demanda de retorno imaginário, deixa transparecer os furos de um real tão devastador, que é traduzido como ostentação do obscuro e do grotesco. O ofício da arte, seu artifício, fictício, transpassa cada anônimo, que ao exibir seu nome na multidão, perde-se em sua errância, em seu anonimato. O folião é o nome de um anonimato, que canta o seu ser despatriado, desertificado e deserdado por um Outro castrado, vazio, que nada mais tem do que um objeto que não lhe pertence.

No mito-científico do pai da horda primitiva, após a internalização da lei simbólica, do recalque, pela morte do pai real, pelo parricídio, os filhos erigem uma representação totêmica garantindo o exercício da lei pelo clã. Mas em determinados tempos, os filhos organizam rituais em que, simbolicamente, o pai é sacrificado e devorado. Esse ato de "canibalização da lei" implica num reforço da subjetivação dessa lei simbólica, da castração? Ou pode ser traduzido como uma atuação "pseudo-libertária", como presenciamos nas "comer-morrações" carnavalescas, em que a morte e o sexo, não-simbolizáveis, são sublimados artisticamente?

Não uma eliminação do recalque, mas uma suspensão temporizada deste. Quanto mais há um contexto em que o recalque se faz contrátil, movível, e não removível, mais há o reforço de tal instância, justamente por condizer com o assentimento da sua existência, legitimando o seu poder. As manifestações populares que exibem suas exuberância e extravagâncias, rompendo com os filamentos que margeiam a intransigência social, acabam , ao invés de "suprimir" o recalque, potencializando a falta pela exibição fantasmática, o que mantém a latência e a alteridade do real na superfície do inconsciente.

Há o paradoxo das Escolas de Samba. Todos os componentes perfilados, divididos em alas, separadas por temas encadeados por uma ordem de sentido constituida pelos diretores de conjunto, harmonia... Esses desfiles, aos moldes da organização militar, permitem a incoerência interna, mas mantendo uma coerência de simetria cronológica para o enquadramento externo da totalidade da Escola, precisando cumprir regras para não pagar o preço pela abertura de buracos ao longo da evolução. Não existe transgressão no regulamento métrico da Escola, por mais que os buracos escapem, capturados pela caneta voluptuosa e rígida dos julgadores, espalhados estrategicamente pelo sambódromo. (As canetas voluptuosas e rígidas obturam as faltas e mantém o desfile energicamente militarizado. Há repetição do ato sexual, que é falho por excelência, nas bordas erógenas, mas não sem produzir volúpia como impossibilidade no significante). A transgressão não é do Desfile, na organização militar dos componentes, mas sim, no desfile. Essa transgressão presentifica um gozo particular que jamais é exonerado. Essa transgressão interna ao desfile, presentifica os fantasmas nos quais circulam o pulsional. O gozo do olhar do expectador/participante, captura o instante subjetivo em que o fantasma que "reveste" a castração, do componente submetido ao enredo de sua Escola, subverte o objeto da pulsão, elevando-o à categoria de "Coisa". Segundo Lacan, a função da sublimação é elevar o objeto à categoria da Coisa, primazia inominável da arte, que realiza uma criaçaõ secundária a partir do olhar de que contempla a obra, adquirindo uma diversidade de sentidos por sua abastração, "non-sens".

Será, então, que as fantasias carnavalescas que não encobrem a castração, mas, ao contrário, deixa-a escancarada em seu vazio erógeno grotesco, cabendo apenas a criação humana, em sua "po-ética"? Uma viável oportunidade para valorizar a subjetivação da "po-ética" das fantasias para ser-si-mesmo!

texto escrito por Alex Azevedo.