O que constitui um pacto simbólico, um laço social?
No mito científico freudiano, o pai da horda primitiva, construido em "Totem e Tabu", faz a exceção do Outro, portador do objeto sagrado, intocável, promovendo a proibição do "incesto", no caso, a posse das mulheres tribais. Em um ato de parricídio, os filhos, em suas posições hierárquicas diante do Outro exceção, entregam-se à devoração, desmaterializando esse pai. Esse ato, então, destitui a ordem paterna no real, internalizando-a, inscrevendo a lei, enquanto função simbólica, organizando as pulsões, como metáfora paterna. Os tribais da horda primitiva, passam a se constituir pela culpabilidade, totemizando esse lugar de terceiro, ocupado pelo Outro exceção, como artifício de simbolização desse pai morto pelas fúrias pulsionais. Então, esse Outro simbólico, não mais externo, no real, organiza a sociedade enquanto inscrição fálica do recalque.
A humanidade de cada sujeito se viabiliza através desse Outro exceção, constituindo o "ideal-do-eu" como referência a um enquadramento desse grupo social, identificando nesse lugar do Outro exceção, tanto a possibilidade de exclusão, quanto de legitimidade em relação a um determinado comportamento como circunscrito numa referência de identidade.
Esse Outro que autoriza uma existência, como inscrita numa função simbólica, marcada pela diferença sexual e pela diferença geracional, é o representante da exceção que só legitima uma atitude de um sujeito, seguindo a lei simbólica da humanização.O ideal-do-eu, como instância simbólica, faz o sujeito percorrer essa representação do Outro como recurso à sustentação de sua humanidade, caso o seu comportamento extrapole essa lei simbólica, rompendo o pacto social enunciado pelo Outro, esse sujeito se desumaniza, deixando de pertencer ao grupo regido pelas insígnias referenciais do Outro exceção.
Por exemplo, numa deteminada época, o lugar do Pai era aquele do direito divino, como um grande sujeito canonizado, sendo este recalque a definição do que está ou não dentro de uma "humanização" regulamentada por uma normatividade religiosa. Após esse período, na estatatização enquanto suporte da lei paterna, o Estado laicizou a ordem paterna, reconstruindo e deslocando a significação fálica para o lugar do Outro Estado, sendo a instância da exceção que legitimava ou rejeitava uma produção humanizada, disciplinando as "verdades" de um sujeito como pertencente ou não de um conceito de humanidade vigente.Mas e na "pós-modernidade"? Por mais que houvesse, no processo de transformação, no patriarcado, de uma ordem sacralizada da ordem paterna, como Outro terceiro, da exceção, para uma ordem laica do Estado, elementos e correlações que indicassem a implicações de perdas, nesses movimentos de deslocamentos, a inscrição simbólica permanecia preservado. Mas na "pós-modernidade", não há o que implique em perdas nesse deslocamento da inscrição simbólica das pulsões, pois na própria "pós-modernidade", a inscrição simbólica sofreu uma destituição radical, um declínio da metáfora paterna que desorganizou o circuito pulsional, desumanizando o sujeito, pela desistência da lei do seu desejo.
Ao meu ver, o ódio perdeu o balizamento do verbo, e sem essa sustentação discursiva, pela ordem fálica, o ódio passou a ser realizado enquanto "passagem ao ato". O que inviabiliza como suporte pela linguagem, retorna como ato, fazendo estragos por uma violência dessimbolizada. O que, então, na "pós-modernidade" pode reivindicar o lugar do Outro exceção? Um efêmero personagem de telenovela global, sem consistência de referências? O simbólico está dessubjetivado, e só comparece no exterior real? O que então faz sintoma se houve uma falência do lugar simbólico do Outro? Onde está o recalque organizador da sociedade? E o ideal-do-eu, presentificado pelo amor edipiano, foi extinto? O supereu que assegurava o ideal-do-eu, perdeu sua função, que era balizar a ética que humanizava um sujeito?
Um adendo:
No mito da horda primitiva, o Outro exceção, o Pai real, que possui todas as mulheres, o "Um", escapa à castração, porém constitui, marcado por essa exceção da castração, um conjunto universal de homens organizado pela função fálica, pela castração simbólica. O que, por sua vez, inscrevendo a função simbólica nas pulsões, produz a fundação do sujeito.
A castração não constitui um respeito ao outro semelhante como lei escrita... a castração constitui sim, a própria dimensão do Outro como Lei simbólica, como Lei inscrita, balizando a relação do sujeito com os outrinhos de sua realidade imaginária. A vergonha, como um dos destinos do constrangimento, de uma inibição desejante, como estrutura obsessiva, está lá como um substituto da culpabilidade, como já uma produção dessa nova economia psíquica. A ausência de vergonha, pode tanto concernir ao desmentido da lei paterna, no campo estrutural da perversão, ou mesmo como o traço por excelência que sustenta uma fantasia neurótica, quanto dizer respeito à operação de culpabilidade diante do "banquete totêmico".
Os livros que me inspiraram a escrever esse texto, suscitando esses questionamentos, foram: "A Arte de Reduzir as Cabeças", de Dany-Robert Dufour e "O Homem Sem Gravidade", do Charles Melman e Lebrun.
texto escrito por Alex Azevedo.
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Um comentário:
Alex querido o analistas antes mesmo desse saber semblante do objeto, fica numa posição de depositário do saber!Adorei passar por esse blogger! tenho muito que aprender pois adoro esse teu trabalho magnífico. Os meus sinceros agradecimentos pela pessoa maravilhosa que tu é ... Abraços
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