sexta-feira, 12 de junho de 2009

O Nascimento de Vênus: Posição feminina

Gostaria de tentar delimitar algumas questões sobre a sexualidade feminina. Se há uma sexualidade restrita ao feminino, como o "Outro sexo", ou se é uma versão fálica, da libido masculina. Pensar a sexualidade enquanto dialética do ter e do ser a dimensão fálica; do falo enquanto significante da falta, inscrevendo a falta-a-ser do sujeito do inconsciente. Uma mulher desliza entre a posição de Ser o falo, como objeto do desejo de um homem; e Ter o falo, estando o bebê como equivalente fálico na metonímia do desejo.

Vamos ver o que diz Lacan (1998, p. 739), a respeito da introdução do falo no modo de subjetivação da mulher, ao inscrever a função peculiar de sua sexualidade: "Seja como for, reencontra-se a questão estrutural introduzida pela abordagem de Freud, isto é, a de que a relação de privação ou de falta-a-ser simbolizada pelo falo se estabelece, como uma derivação, com base na falta-a-ter gerada por qualquer frustração particular ou global da demanda - e de que é a partir desse substituto, que afinal o clitóris instaura antes de sucumbir na competição, que o campo do desejo precipita seus novos objetos (antes de mais nada o filho por chegar), pela recuperação da metáfora sexual com que já estavam comprometidas todas as outras necessidades".

Didier-Weill (2007, p. 105), diz: "Na estruturação da convocação masculina, o Complexo de Édipo declina com a entrada em cena do Complexo de Castração, quando a metáfora paterna, a função de introdução da falta simbólica produtora do desejo, atribuída à mediatização pela intervenção da lógica paterna, inscreve a dimensão da falta com a interdição do incesto. A metáfora paterna baliza, então, o gozo da função materna, o que constitui o âmbito do ideal-do-eu e o corte fundamental que é a angústia da ameaça de castração. Assim, o menino convocado na dimensão de sua castração simbólica, de seu recalque originário, identifica-se à função paterna e articula o enquadramento de sua identidade simbólica na convocação social da função fálica que exerce o poder de representar a posição masculina.Para Freud, o Pai da horda é dito primitivo, mas, na verdade, é revelado pelo Filho, já que é preciso o ato parricida cometido pelo Filho para que, no só-depois, surja, por intermédio do remorso, a significação do Pai. Ao contrário, para Lacan, o Pai precede o Filho: a significação da filiação é o efeito do só-depois de uma metáfora paterna. Assim, para Freud, o sujeito não pode superar a culpa edipiana, já que ela não remete apenas a uma fantasia, mas ao ato real de um parricídio."

Então, entendo que já na estruturação psíquica das meninas, há uma inversão, o Édipo não é totalmente finalizado, fica em aberto, à espera de um homem que a situe e lhe dê o tão esperado “presente” que seu pai não permitiu lhe dar, um bebê. Quando a menina percebe a falta fálica em sua mãe, depara-se com a impossibilidade que seu clitóris se desenvolva e transforme-se num pênis, então, ao contrário do que acontece nos meninos, a castração se instaura num primeiro momento, advindo o Complexo edipiano, somente depois da constituição da castração do falo imaginário, fazendo com que a menina se identifique ao pai e rivalize com a mãe, estendendo a promessa edípica de receber o presente-falo do pai como um filho que se presentificaria em substituição à sua falta fálica.A maternidade, então, na concepção psicanalítica, consiste no fenômeno capaz de promover uma assunção enquanto insígnia da feminilidade, sugerindo uma das saídas possíveis para o irredutível prolongamento das relações edípicas de uma menina.

No advento da maternidade, uma mulher finalizaria de uma vez por todas seu Complexo de Édipo, lidando com as peculiaridades num fazer-se mulher, operando na falta radical de um significante no Outro que represente a mulher. A rigor, para a psicanálise, só existe um único sexo, o masculino, no qual circula a libido no gozo fálico. Só em 1923, com a introdução da fase fálica na teoria da libido (Freud, 1923), é que ficou mais clara uma de suas afirmações mais contundentes neste assunto: aquela que diz só existir um sexo, o masculino. O feminino é a diferença, o negativo, o não-todo fálico, o gozo do Outro. Deste modo, há um devir mulher, a mulher acontece, é pura contingência.

Há uma falta radical de um significante no campo do Outro que represente a mulher. O feminino não se constitui na ordem de um dom simbólico, de um traço fálico em torno do qual se circunscreve a posição masculina. Há uma posição feminina, mas não há um significante da mulher. Uma mulher existe, faz-se mulher não só pela marca da instância fálica, mas como não-toda fálica, somente quando se deixa tomar pelo desejo de um homem ou quando comparece sua feminilidade no advento inefável da maternidade, fazendo-se dele seu objeto de desejo. Lacan (1985) diz que não existe propriamente uma simbolização do sexo da mulher, não existe um significante que represente a mulher, e que a saída da fase fálica está ligada à descoberta que o pênis não é o falo, mas apenas um dos seus representantes, pois o falo real não existe.Na configuração a priori de uma mulher, é a primazia da castração real que está em jogo, de uma devastação com a mãe, de um lugar impossível de transmissão da feminilidade, de uma falta estrutural. Ou seja, a falta de um traço universalizante capaz de identificá-la como pertencente a um grupo.

Uma mulher, diante da falta estrutural de um significante no campo do Outro que represente o impossível da relação sexual, identifica-se ao desejo da Outra mulher. Uma mulher deseja o desejo dessa Outra mulher, deseja desejar como a Outra mulher deseja, supondo um saber, algo que a Outra mulher tem que ela não tem, que possa dar respostas, que possa dizer sobre o enigma do que quer uma mulher. No caso Dora relatado por Freud, quando o discurso do senhor K faz decair o desejo da senhora K, ao qual Dora se identificava, essa sustentação fantasmática caiu e Dora passa ao ato, identificando-se ao objeto a, dando um tapa na cara do senhor K.

O que o homem porta para uma mulher, é o seu próprio desejo. Já vi um caso em que uma mãe endereçou uma queixa ao analista, sobre a mudança repentina de sua filha, situando o nascimento de um irmãozinho como marco originário. Numa outra sessão, é o pai que leva a filha à analista, dizendo que houve uma melhora e que ele só levou a filha porque ela quis muito que essa analista visse a bonequinha que o pai deu a ela. Mas é exatamente isso que está em jogo, uma "ferida" narcísica incicatrizável, e a reinvidicação de um impossível que essa filha faz a sua mãe. Pois sobre a promessa edipiana, percebendo que o falo da mãe é essa filha, ela então percebe que se a mãe é desprovida de pênis, é o pai que ocupa o lugar de entregar à mãe esse pênis, que no caso, a filha representa.Então a menina entra no Édipo com o pai, esperando ela mesma, receber o seu suporte fálico. Só que o pai a "trai", e ao invés de dar um bebê/falo para ela, acaba dando para a sua mãe.

Daí a revolta da menina, que competia o amor desse pai com a mãe, mas é a mãe que continua a ganhar os presentes fálicos desse pai. Até o momento em que o pai presenteia essa filha com uma boneca, simbolizando assim esse movimento, significando que o pai pôde fazer essa trasmissão fálica a essa filha. Ou seja, um filho real eu não posso dar, mas uma boneca sim, que signifique essa herança da promessa edípica.Nenhum sujeito pode ostentar o falo, justamente por estar fundado na ordem de um impossível. A ostentação fálica é impossível, pois não existe falo real.

O sujeito pode sustentar o falo, e não ostentá-lo... sustentação no âmbito do simbólico, sustentação na ética do desejo, em sua lei simbólica.Não é da ordem do saber, muito menos da intenção... É uma outra articulação que se opera no inconsciente... E outra coisa, o inconsciente não tem fundamento, constitui-se numa construção atemporal. Então, a menina não sabe, pois a boneca é uma metonímia do falo.O que uma mulher quer ao ter um filho, para além de estancar a ferida de sua falta fálica? Por isso a dificuldade de ser mãe, de liberar seu filho através da constituição da significação fálica, para não obturá-lo, na impossibilidade do luto, como objeto de gozo do Outro.

Referências Bibliográficas:

FREUD, Sigmund. "Organização Genital Infantil: Uma Interpolação à Teoria da Sexualidade", 1923; in Ed. Stand. Bras, vol. XIX; Rio de Janeiro. Imago Editora, 1976.
________: "Sobre o Narcisismo: Uma Introdução", 1914; idem, vol. XIV.
________: "A Dissolução do Complexo de Édipo", 1924; idem, vol. XIX.
________: “Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade”, 1905; idem, vol. VII.
LACAN, J. “Escritos”. Rio de Janeiro: Companhia de Freud Editora – Jorge Zahar Editor, 1998. – “Diretrizes Para um Congresso Sobre a Sexualidade Feminina”.
________: “O Seminário, livro 4. “A Relação de Objeto”; Rio de Janeiro. Zahar Editor, 1995.
DIDIER-WEILL, A. “Quartier Lacan”. Rio de Janeiro: Companhia de Freud Editora - José Nazar Editor, 2007.


texto escrito por Alex Azevedo.

4 comentários:

Renato Oliveira disse...

Gradualmente, tenho começado a ler alguns escritos de lacan, tentando compreender seus conceitos mais fundamentais.
Tuas postagens com certeza serão de grande auxílio.

abraços

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Alex Azevedo Dias disse...

Agredeço o comentário, Renato. As contribuições textuais são essencialmente válidas e indispensáveis. É só aí, nesses comentários, que os escritos adquirem mobilidades e deixam de pertencerem apenas ao autor que os elaborou, virando de uma coletividade de leitores/escritores.

Cristiano disse...

Excelente texto Alex!
Vale fazer um contraponto com a posição masculina. Sugiro um outro post sobre isso.
Além disso, vale alinhavar com a questão da arte que é o que mais tangencia a definição de uma mulher, daquilo que é da ordem do feminino (vide Chico Buarque).
Se queres saber o que é uma mulher, pergunte a um artista!