segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Análise/Supervisão.

Para introduzir a questão que tentarei colocar, Lacan diz que a metalinguagem, ou seja, os diálogos, a intersubjetividade, circunscrita à análise, é da ordem do impossível, pois não há nada além do discurso do sujeito (analisante), não há nada além da linguagem como estrutura do inconsciente. O único discurso que se presentifica em transferência, é o discurso do analisante.
Por exemplo, como psicanalista, fiz uma determinada pontuação quando um analisando disse: "Fico envergonhado em falar isso, mas me disseram que eu terminei meu namoro por sua causa". Então, em transferência, esse analisando me endereça uma demanda de amor transferencial. O analista não responde a uma demanda de amor, embora seja somente essa demanda do inconsciente que constitui e autoriza a função do analista, que autoriza o lugar da transferência. Depois, esse mesmo analisando diz: "às vezes penso que eu não tenho opinião própria, pois são os outros que falam o que devo fazer, mas eu sei que se eu venho aqui, fiz uma escolha minha". Nesse instante eu pontuo que embora me diga que os outros falam o que deve fazer, quando ele faz e fala sobre isso (o que os outros cobram), quem está falando e fazendo, é exclusivamente ele. Faço essa intervenção no momento em que ele fala uma frase, afirmando que é uma frase de outra pessoa, pois afirma que não tem opinião própria. Eu pontuo dessa maneira: "Mas quem está falando?" Ele diz: "Eu". Neste momento eu encerro a sessão.
Mas a questão que eu fiquei foi a seguinte: Quando fiz tal intervenção, havia escutado a tal demanda de amor: "Fico envergonhado em falar isso, mas me disseram que eu terminei meu namoro por sua causa"? Por isso, após a sessão, fiquei pensando de qual lugar fiz essa intervenção. Será que foi uma resistência em suportar essa demanda de amor? Quando eu pontuo que quando ele diz o que os outros falam, é ele que está falando, pode ser uma pontuação do lugar de uma resistência minha em escutar essa demanda de amor.
Mas enfim, algo me convocou no discurso desse analisando, o que talvez me causou como sujeito e não como analista. Mas sendo minha questão, é questão para simbolizar em transferência na minha análise pessoal, no divã do meu analista. Mas para além de ter restado como uma questão para mim, na minha dúvida se essa pontuação ocorreu do lugar de minha resistência em escutar aquela suposta demanda de amor, eu não posso discernir se minha pontuação, para além do que restou como questão para mim, foi da ordem de um ato analítico, tendo alguma eficácia clínica, no sentido de deslocamentos simbólicos. O que é angustiante num processo de análise, e nisso eu incluo como angustiante para o próprio analista, é que é impossível prever e antecipar os efeitos de uma intervenção no analisando. Para ambos tal ressignificação é obscura, sendo apreendida na ordem de uma surpresa, de um espanto.
Embora tal intervenção que eu fiz como analista tenha me convocado como um sujeito, e isso às vezes é intransmissível, não posso controlar os efeitos de tal intervenção para o analisando. Esses efeitos, para o analisando, só serão escutados num a posteriori, num só-depois, sendo impossível, incontrolável, prevê-los em relação ao discurso do analisando. Por isso numa supervisão, devido à Lei da castração e à ética do desejo, o analista não tem recursos para relatar o que ocorreu durante uma sessão de análise como história cronológica, o analista só pode falar, numa supervisão, sobre as questões que foram causadas nele, que lhe afetaram na escuta do analisando. Então, a supervisão é uma vertente da análise pessoal desse analista. O supervisor escuta a escuta do analista. Os efeitos para o analisando, das pontuações do analista, são obscuros e às vezes alheios ao que foi causado no analista.
Numa análise só se trata de texto, e não de contexto. É o texto do analisando que conta. E quando é o texto do analista que é afetado, ele deve, em sua análise pessoal, falar dessas questões para separá-las do texto do analisando, e assim poder continuar escutando.
Será que o que me levou a resistir ao escutar esse analisando, foi justamente essa convocação, no meu inconsciente, e não no desse analisando, que me tomou não como analista mas como sujeito? Escutei como sujeito, e não como analista? É somente a transferência que autoriza a função do analista, e só há analista como um sintoma do discurso do analisando, pois é somente o analisando, endereçando um suposto saber, que constitui o lugar do analista.
Mas a pontuação que eu fiz, mesmo achando que escutei como sujeito, pode ter causado algum efeito para esse analisando como uma pontuação do lugar de um analista, e não do lugar de um sujeito. Para o analisando, dependendo da situação, não importa muito como ficou para mim a minha escuta, importa como a minha escuta ficou para o analisando. E isso só vou "saber" ao longo das próximas sessões. Acho que é disso que se trata uma supervisão, falar do desejo de analista para outro analista, também como transferência de trabalho, e reenviá-lo para o lugar da análise do analista.
Talvez essa minha escuta que chamei de uma escuta do lugar do sujeito seja algo que compareceu apenas na minha análise, na análise do analista, em transferência com meu analista. Em relação a esse analisando, só houve escuta do lugar do analista, pois é somente nesse lugar, de transferência, que um analisando escuta as pontuações do analista.
A teoria psicanalítica é transmitida sob transferência, tanto numa análise quanto numa supervisão. Falar desse lugar de causa sobre um analisando para um outro psicanalista (supervisor), essas pontuações operadas desse lugar, convocando o desejo do analista, constitui um ensino, pois consiste em algo que irrompe na experiência, articulado com os textos freudianos fundadores. E é aí, somente nesse ponto, que a diária reinvenção da psicanálise se opera.

Texto escrito por Alex Azevedo.

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