segunda-feira, 27 de maio de 2013
Um Sem o Outro.
Uma multidão se acotovelava pelas ruas no horário do rush. Driblando os obstáculos humanos, Mauro correu o máximo que pôde para alcançá-la antes de embarcar.
Tentou ligar. Não atendeu. Possivelmente já entrara no ônibus. Esbaforido, chegou à rodoviária. O privilégio da altura de Mauro era a possibilidade de olhar por cima das cabeças e ombros que bloqueiam a visão da maioria dos aflitos. Mesmo assim não a viu. Aproximou-se mais da plataforma em que algumas filas se desfaziam. Procurou-a impacientemente.
Conseguiu ler o itinerário de um dos ônibus e identificou subitamente o lugar sobre o qual Diana tanto falara. Mauro enxergava longe como os emplumados de rapina, mas quando se tratava dos sonhos da amada, enceguecia-se.
Apesar de sua incapacidade para assimilar as ambições e intimidades dela, fingindo-se de morto, sua memória não falhara. Sabia qual era o destino de Diana. Embora sem chuva, o tempo nublado dificultava a visão do interior do ônibus. A luminosidade exterior contrastava com as trevas do coração de Mauro e a penumbra na qual os passageiros mergulhavam em seus assentos.
O motorista ligou a ignição no mesmo instante em que as esperanças da última despedida começaram a esmorecer. Inconsolável, mas já quase conformado, Mauro revisitou as janelinhas já incansavelmente analisadas. Seu coração acelerou e se encheu de alegria ao notar Diana, com as duas mãos no rosto, cotovelos apoiados no parapeito da janela, contemplando o vazio. Mauro deu um salto e foi ao encontro dela. As janelas não abriam, pois eram vedadas por causa do sistema de climatização.
Mauro espichou o tronco, inflou os pulmões, estufou o peito e, confiante, bateu no vidro com o nódulo dos dedos. Diana elevou o olhar. Seu rosto inchado e os olhos encarnados pelo pranto de outrora, sublimaram-se na magnitude de um sorriso.
Uma chuva fininha deixou a poeira da janela com aspecto de lama. Os olhos de Diana se umedeceram pelas lágrimas do reencontro. Por detrás da sujeira molhada do vidro, o rosto da amada parecia a Mauro uma triste pintura enegrecida pelo borrão do tempo. Mauro sabia que precisava restaurar aquele amor. Retirar as camadas de impureza que maculavam as tintas da ternura para atingir o primoroso começo que os manteve unidos até então.
O ônibus partiu. A espessura do vidro não permitia ouvir o som nem de fora para dentro, nem de dentro para fora. O semblante de Diana ficou pesaroso. O ônibus se afastou gradativamente. Mauro foi atrás tentando gesticular o quanto a amava e na ânsia que ela fizesse uma leitura labial da frase que tanto se esmerava em repetir: “Eu te amo!”. Ela, apesar de não articular os lábios visivelmente, murmurava em seu íntimo que, não importando para onde fosse, jamais esqueceria Mauro.
Para sair da rodoviária, o ônibus fez uma curva muito fechada, o que obrigou o motorista a manobrar o veículo. Nesse breve contratempo, Mauro chegou novamente à altura da janela de Diana e, com a ponta do dedo indicador, desenhou um coração na sujeira enlameada do vidro. Diana levou ambas as mãos ao contorno feito pelo amado, e como se tentasse segurá-lo, fechou as mãos e as levou até o peito. Depois soprou os dedos abertos como a oferta do seu próprio coração a Mauro.
O motorista fez a curva e saiu da rodoviária. Diana lentamente se perdeu nas neblinas do coração de Mauro. Ela seguiu viagem pensando nele. Ele, por mais algum tempo, permaneceu olhando para a ausência que restou dela. Virou-se e seguiu o rumo de sua casa. Em todo o trajeto, Mauro só tentava se imaginar sem Diana. Pensava como sobreviver ao resto de uma vida condenada à sua inexistência.
Conto escrito por Alex Azevedo Dias.
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