segunda-feira, 27 de maio de 2013

Os Amantes.






Toda tarde de segunda-feira, Jonas tinha um compromisso inadiável: dividir a cama com Mirtes. Nos finais de semana, dedicação exclusiva às suas famílias. Não se deixavam dividir nem em pensamento. Viviam para suas famílias, e estas por eles. Passeios, afazeres, atividades e inatividades domésticas. Mas nas noites de domingo para segunda a ansiedade da espera possuía-os por inteiro, sem dó nem piedade.

Mirtes e Jonas, durante a semana, ocupavam-se integralmente com seus respectivos trabalhos. Só nas segundas, à tarde, tinham o único período de folga. Entregavam-se à carne pulsante até a proximidade do anoitecer. Depois se banhavam, arrumavam-se e voltavam para suas casas como se retornassem de uma exaustiva tarde de trabalho. Eles só se conheceram justamente pela coincidência dessa tarde de descanso.

Mirtes era professora universitária de história da arte. Jonas, arquiteto numa empresa de paisagismo e decoração de interiores situada ao lado da universidade em que Mirtes lecionava. Eles se conheceram numa cafeteria muito frequentada por professores e alunos da faculdade de humanas e filosofia.

Quando se viram pela primeira vez, não conseguiram mais desviar o olhar. Flertavam-se à distância, sem a ousadia da aproximação. Numa dessas tardes de segunda-feira, Jonas foi quem tomou coragem para o encontro inaugural. Mirtes estava sozinha sentada a uma retangular mesa com tampo de jacarandá. Jonas apreciava muito aquele cantinho. Era a única mesa da cafeteria de tal qualidade. Não tinha cadeiras. Eram dois bancos rústicos de peroba do campo.

O barista tinha acabado de servir um cappuccino quando Jonas chegou e iniciou uma conversa:

- Não sabia que se interessava também por artes sacras.

Mirtes se virou para Jonas e abriu um sorriso, convidando-o para se sentar ao seu lado. Ele prontamente aceitou e pediu ao barista que lhe levasse um cappuccino igual ao de Mirtes. Eles se apresentaram com um simples aperto de mãos. Ela comentou a abordagem de Jonas:

- Acho louvável a caridade dos franciscanos, mas dos frades capuchinhos eu só curto mesmo o sabor deste café.

Mirtes soltou uma gostosa gargalhada, sem tirar os olhos de Jonas, e voltou a falar:

- Agora sério. Sou historiadora das artes em geral, mas pouco vinculo a história à teologia. Essa parte eu deixo para os meus colegas do Mosteiro São Bento e da PUC.

Interessado – mais nela do que em sua profissão -, Jonas continuou enveredando-se por uma disfarçada indagação sobre a profissão de Mirtes:

- Mas qual tipo de arte você prefere? Medieval, renascentista, moderna ou contemporânea?

- Todas essas me interessam como professora e pesquisadora que sou. Mas na prática da vida real, extramuros universitários, a arte que eu gosto só tem uma.

- E qual é?

- A arte do sexo!

Jonas se assustou com a resposta curta e grossa de Mirtes. Ele ficou por alguns instantes tentando tomar fôlego para assimilar a frase cortante daquela mulher fantástica. De repente, ele a tomou em seus braços e se beijaram com tanta ardência que calafrios se ramificaram dos membros superiores aos inferiores numa euforia decadente e incandescente.

Para evitar os curiosos e os que se ocupavam da vida alheia, eles saíram rapidamente até o carro de Mirtes para se entregarem à paixão em qualquer motel barato de beira de estrada. O contato dos seus corpos suados produziu melodias originais. Contorceram-se voluptuosamente como dois gatos jovens brincando no emaranhado de um novelo de lã. Dentadas, unhadas, salivas e secreções. Amaram-se como adolescentes furiosos e inebriados pela descoberta do sexo.

Só imaginaram o risco que correram ao se agarrarem publicamente, quando os cigarros foram acesos e os corpos nus esfriavam pela descarga de toda a tensão acumulada. Mirtes revelou que era recém-casada. Jonas já estava casado há mais de dez anos. Enquanto Jonas tinha dois filhos, Mirtes não tinha nenhum. A sorte é que aquela cafeteria perto da universidade não era frequentada pelos cônjuges de nenhum dos dois, pois, coincidentemente, tanto a esposa de Jonas quanto o marido de Mirtes odiavam café. Continuaram se encontrando em motéis. Mas procuravam não se repetirem. Cada segunda-feira à tarde os dois iam a um motel diferente. Menos para evitar que levantassem suspeitas do que para a relação não cair num ostracismo - a dolorosa rotina que ambos conheciam muito bem em seus matrimônios.

Após muitos meses conhecendo os mais variados motéis, Jonas sugeriu que tivessem um lugar fixo no qual pudessem se deleitar, não como um casal, mas como amantes que eram. Sob pretexto de montar um escritório particular, Jonas alugou um conjugado. Realmente montou seu escritório, mas nele havia uma divisória sagrada que só era aberta nas segundas à tarde para a folia do amor. Esses encontros transcorreram sob absoluto sigilo e satisfação garantida dos amantes durante quase um ano.

Exatamente numa segunda-feira que completaria um ano de carícias fogosas no conjugado de Jonas, Mirtes não apareceu. Ele ficou apreensivo, procurou-a como pôde, e não teve nenhuma notícia dela. Resolveu ficar quieto e aguardar um telefonema que explicasse sua ausência. Uma semana passou. Outra segunda chegou. Jonas a esperou, mas nem sinal de Mirtes. Embora ansioso e impaciente, Jonas esperou por cinco segundas-feiras sem a menor noção sobre o paradeiro da amante. Na quinta segunda, ele se desesperou. Sabia onde ela morava, mas jamais pensara em tamanha ousadia. Cada um tinha seu santuário inviolável. Eles fizeram um pacto para que nenhum dos dois chegasse nem perto da família do outro.

Mas o sumiço de Mirtes o angustiou tanto que Jonas, cansado de ligar e não obter resposta do único meio de comunicação que tinha com Mirtes - o celular particular dela - não pensou duas vezes e foi até a sua casa. Estava vazia. Levou alguns dias rondando a casa de Mirtes de longe. Estava sempre fechada. Não tinha ninguém por perto. Um dia, avançou o sinal e olhou pela janela. Tudo escuro.

Verificou se a porta estava aberta. Girou a maçaneta e, no mesmo instante, uma voz de homem o fez estremecer:

- Boa tarde, senhor. O senhor veio ver a casa?

- Está à venda?

- Sim. Há duas semanas. Não viu a tabuleta na entrada?

- Não. Mas aqui não morava um casal?

- Não soube o que aconteceu?

- Não.

- Bem... Não gosto de tocar neste assunto para não espantar potenciais compradores. Mas como o senhor, pelo menos é o que parece, não está interessado em comprá-la, eu vou contar. O senhor Conrado, proprietário deste imóvel, encontrou sua esposa morta no banheiro da casa. A moça cortou os pulsos com a lâmina de barbear do marido. Fizeram a autópsia e descobriram que a mulher estava grávida. Era uma gravidez recente, por isso não puderam salvar o feto. O senhor Conrado ficou inconsolável. Amava muito a Mirtes e planejava ter filhos. Uma história muito triste...

Jonas ficou atônito. Tão pálido que o corretor, assustado, ofereceu-lhe ajuda:

- O senhor era amigo da família? Quer um copo com água?

Percebendo que não havia melhora, o corretor pegou o carro e levou Jonas ao hospital. Foi internado em estado grave. Recusava-se a melhorar. Não comia, não bebia. Estava só à base de soro e medicamentos. A esposa e os filhos de Jonas acharam que ele não suportaria. Eles revezavam para acompanhá-lo no hospital. Fizeram vigília e muitas orações para que Jonas se recuperasse. Depois de cerca de dois meses, Jonas, pele e osso, recebeu alta do hospital e voltou para casa.

A primeira coisa que fez foi procurar o corretor que o hospitalizou. Eles conversaram amistosamente por telefone. Soube que a casa de Conrado ainda não tinha sido vendida. Jonas tratou de convencer a família que precisava de novos ares para se recuperar totalmente. Colocou sua casa à venda e fechou o negócio com o corretor. Adquiriu a antiga casa de Mirtes e se mudou para lá com sua mulher e os dois filhos.

Jonas ganhou peso, ficou novamente saudável, corado, e retomou sua vida profissional.
Sua esposa ficou maravilhada com a disposição do marido em se especializar mais na arquitetura. Jonas se tornou professor titular em história da arte, com ênfase em arquitetura medieval e renascentista. A família só nunca entendeu o motivo de Jonas se trancar toda segunda-feira à tarde no banheiro da casa e se balançar sentado no vaso sanitário com as duas mãos na barriga, sem dizer nenhuma palavra.

Sua esposa muito se preocupava com o ritual de Jonas, que poderia ser o início da loucura. Mas Jonas estava tão bem disposto profissionalmente, também como pai e marido, que ela nunca o questionou sobre esse estranho comportamento.

Conto escrito por Alex Azevedo Dias.

Um comentário:

M@ra disse...

É trist. NNão vejo-me em uma situação parecida. Nao sei o dia de amanh, mas rrealment e difíci . Compreenderr uma situaçã assim. Um casament deveriaa ser sagradoo . Mas se eles se apaixonaram pq nao ser verdadeir com seus cônjugess. Seria difícil mas nao hhaveria essa ttraiçãoo e eles ficariamm juntos . TTalvezz eles nao quizessem aceitar simplesment q se amavam. Ou pelo menos ele foi perceber isso / tard demaiss eenquant ela possivelment ja o amava demais e nao suportava mais o fato d estar traindo alguém que tanto amou um dia. Quem vai saber??? ;( ée a vida jogando com as pessoa de forma perversaa. ..