domingo, 10 de abril de 2011

Lágrimas e Suores.












Com o andar macio, ele abriu a porta da área de serviço e caminhou em direção à sala. Sua mulher assistia a um programa de televisão já quase adormecendo. Ainda de mansinho, aproximou-se da esposa. Abraçou-a por trás e beijou o seu pescoço. Por não ter ouvido nenhum barulho de alguém chegando perto, levou grande susto e soltou um grito - sendo pega desprevenida.

Ao vê-lo, ela se alegrou, mas não se satisfez em sua presença por muito tempo. Sentiu-se desprezada por ele ter demorado em voltar para casa e nem ter avisado. Durante o frenesi do susto por tal atitude inusitada, com o sabor do beijo em seu pescoço, virou-se para ele, ameaçando tirar satisfações com aquele que considera um marido indolente.

Antes de ela manifestar qualquer ressentimento, tomou-a nos braços e a beijou nos lábios com inigualável impacto emocional e uma dilacerante libido. Ela deu alguns soquinhos nas costas do marido - apenas para fingir que resistia à sedução -, mas já estava completamente entregue àquela paixão.

Após o efeito hipnótico do beijo, a mulher segurou o rosto do marido com as duas mãos, esboçou um sorriso e acariciou seu rosto. Logo depois seu semblante se alterou quase que por inteiro: Olhos saltando das órbitas, cenho franzido, dentes cerrados e lábios contraídos. Ela fechou o punho e desferiu um monumental bofetão no meio da cara do indefeso marido. O golpe o surpreendeu de tal maneira que ficou um tempo perplexo, não pela dor do soco - que não foi pouca -, mas por jamais ter imaginado que sua esposa pudesse ter uma reação tão radical.

Enquanto durou sua perplexidade - também esperando passar a paralisia de sua face pela forte bordoada que levara -, ponderou sobre o fato de ter sido aquela a primeira vez que apanhara. Sempre era ele que batia em seus coleguinhas no colégio. Em casa, quando o cinto estalava e o chinelo cortava o ar, ele já estava bem longe, pois não foi à toa que se tornara campeão de corrida nas olimpíadas juvenis.

Estavam casados há poucos meses, mas já era tempo suficiente, pelos repetidos atrasos do marido, para que ela desse espaço às dúvidas sobre suas reais intenções. A desconfiança surgiu no exato instante em que, num evento importante do casal, quando jantavam num elegante restaurante da cidade, o telefone do marido tocou e ele, suando frio, deu uma desculpa esfarrapa à esposa, alegando compromisso de trabalho, e saiu às pressas, deixando-a sozinha e sem pagar a conta.

Desde aquele dia, passou a controlar os passos do marido, descobrindo que o trabalho era o que menos consumia o seu tempo. Então, se não se dedicava a nenhuma atividade de conhecimento da esposa, era porque estava substituindo sua preciosa família com outras mulheres e jogos de azar. Ao pensar nessa hipótese - quase certeza inabalável - de traição e desperdício, arrepiava-se por inteiro e um horripilante calafrio percorria-lhe a espinha.

Logo que iniciou a vigilância contínua do marido, quis imediatamente se divorciar, talvez voltar para a casa da sua mãe - embora não soubesse se ela iria recebê-la bem por causa da separação -, mas sempre que seu marido a tomava nos braços e a beijava, não resistia aos seus encantos e amolecia o corpo todo. Foi aí que pôde compreender o significado da expressão “fazer corpo mole”. Pois ao simples toque daquele homem desgraçado e miserável que a traía com outras mulheres e desperdiçava o dinheiro em jogos ilegais, ficava totalmente derretida e dominada, perdendo qualquer reação de resistência.

Ela cedia. Sempre acabava cedendo. As amigas a apoiavam quando o assunto em questão era a ofensiva contra o canalha do marido. Mas ao confessar sua paixão por ele, as mesmas amigas a ofendiam e chamavam-na de masoquista. Será que de fato ela era isso que suas amigas a chamavam? Mas não sentia prazer em sofrer, de jeito nenhum. Essas amigas ingratas que só tem inveja de sua felicidade! - Ponderava a esposa com convicção. Mas logo declinava de sua sensibilidade, apostando novamente na maldita situação daquele marido imundo, mergulhado até a alma na lama do pecado. Exatamente nos momentos em que achava que estivesse exagerando nas acusações contra o marido, sentia-se culpada em pensar tanta besteira e tentava amenizar com sentimentos amorosos sobre seu homem.

Temia estar enlouquecendo. Será que estava se boicotando? Afinal, mesmo chegando diariamente em casa nos horários mais inadequados possíveis, ele nunca deixava de abraçá-la e de beijá-la com muita paixão. Não resistia àquilo tudo. Ela o odiava na sua ausência, pensando em suas supostas traições, elaborando as mais bárbaras vinganças, mas ao se sentir envolvida nos braços calorosos do homem que antes odiava, caía em tentação e cedia à paixão diante da maciça presença do marido. Desarmava-se e diluía qualquer plano de esganá-lo. Seu corpo tremia e novamente se entregava por inteiro.

Os frequentes tapas na cara, as resistências, os soquinhos nas costas, tudo isso fazia parte de um ritual que estava menos a serviço de uma legítima luta contra o devasso marido, do que como um ingrediente apimentado para desembocar no êxtase horizontal. Os berros, as ameaças, as lágrimas derramadas e a saliva expelida durante clímax do ódio pela traição - esbravejando o destino cruel que fez daquele casamento uma catástrofe total -, convertiam-se em gritos de prazer, sussurros de êxtase e suores abundantes que lavavam ambos os corpos na beatitude do sexo.

(...)

As desconfianças da esposa jamais foram comprovadas. E as violentas cenas de amor e de ódio, continuaram se repetindo com faíscas cada vez mais potentes. Aquela relação concentrava combustíveis altamente inflamáveis para alimentar o avassalador motor da paixão. Não perdia o fôlego em sustentar o ódio mortal que nutria pelo marido em sua ausência - imaginando as situações mais grotescas de traição -, mas que em sua presença, transformava o ódio num amor violento e furioso que se resolvia na cama, até terminar numa perene e angelical troca de carícias e juras de cumplicidade eterna.


CONTO ESCRITO por ALEX AZEVEDO DIAS.

8 comentários:

Guilherme Augusto disse...

Invejo quem consegue escrever como se estivesse vendo a cena no momento exato.

Unknown disse...

os ciúmes, a desconfiança, as vezes é bom que torna tudo mas acelerador, traz ansiedade, de descontar a raiva na pessoa que traz tantas dúvidas e por fim, vc se rende aos braços e olhares traiçoeiros...

Anônimo disse...

Amar, pra algumas pessoas, tem um pouco disso... Dúvidas que afugentam um pouco o sentimento e temores que o fazem recuar, mas não o matam.
Amar é bem mais complicado que imaginamos...
Um belo conto, Alex. Enveredei por ele com satisfação plena.

Vanessa Lee disse...

Ah, coração cheio de contradições! Será que se as desconfiaças não existissem, ela estaria tão entregue à ele?

Alex, seu comentário no meu blog foi tão bom que quase deletei o texto e o pus no lugar. rs

Felipe Guasti disse...

Ótimo texto. Muito bem escrito.

Felipe Guasti
http://consumante.blogspot.com

Victor Von Serran disse...

Mas uma vez um texto riquissimo de sentimento que nos leva a reflexão sobre os sentimentos que vem de brinde quando se ama !


cara cade vc....sumiu ?

abraço !

Guedes, disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Guedes, disse...

Meeeu querido, o que foi isso?!
Respirei fundo para começar a escrever este comentário. O que acabei de ler foi tão bem escrito, de uma forma tão persuasiva, que palavras não representariam o encanto que me causou. Se você pudesse me ver agora estaria de pé batendo palmas.
Sensacional