Foi antes de conceituar a transferência, que Freud descobriu a resistência em análise. Uma espécie de um nada querer saber sobre a causa do seu sofrimento. Apesar do sintoma, que se instala no intuito de tamponar a angústia, ter se constituído no retorno do recalcado, esse mesmo sintoma é composto pela matéria prima do conteúdo reprimido. Então o analisando tem uma relação ambivalente com o sintoma. O sintoma contem o recalque, no sentido de contenção, de barreira, mas o sintoma também contém o recalcado, no sentido de estar no seu conteúdo. Freud descobriu primeiro a resistência em análise, contra esse material reprimido, mas percebeu que é justamente essa resistência, que desloca um saber para o outro, que constitui a transferência. Então, para Freud, resistência é sinônimo de transferência.
A transferência é uma suposição de saber endereçada ao analista. O analisando, sob transferência, deposita um saber sobre si no analista, um ideal-do-eu, sendo o que sabe sobre o sujeito, está no próprio discurso do inconsciente, porém apresentado como falta, como não-sabido. Mas essa é a lógica de uma análise, o analisando aponta esse lugar de saber para o analista, com uma demanda de amor, mas o analista embora acolha, não ocupa esse lugar apontado pelo analisando.
O analista, em sua ausência como sujeito, ausência essa que sinaliza a disponibilidade do analista para escutar o outro, presencia isso que você sublinhou o tempo todo, justamente porque sem isso, não haveria análise, consequentemente, não haveria analista. Entendo que uma análise se autoriza desde o momento posterior de entrada em análise, ou seja, quando o sujeito encaminhado por alguém ou identificado por algo do analista, como seu nome, sua fisionomia, sua voz, seu jeito de falar... procura-o para falar. A transferência já se estabelece até mesmo antes do primeiro contato, quando já não vem com o aval de transferência daquela pessoa que o sujeito elege para indicar um analista. É sempre do lado do analisando, que chega demandando um amor à verdade, um suposto saber ao analista, que aponta esse lugar que o analista ocupa. É a transferência que autoriza a função do analista. O analista, antes mesmo desse lugar de semblante da falta, de semblante do objeto, fica numa posição de depositário do saber, saber este que se presentifica como discurso do inconsciente como não sabido, como não-saber, mas endereçado ao analista como o "representante" desse saber inconsciente. O analista é fabricado pelo discurso do analisando como um depósito desse saber não sabido que é nada mais nada menos que o sujeito do inconsciente que está lá deitado no divã. Então, se há analista, não é a poltrona que dá esse lugar, mas só é autorizado pela e na transferência.
Um exemplo de minha experiência, para ilustrar a questão transferência/resistência, é de uma analisanda que em determinado instante, afirma que fala como uma criança, repetindo palavras infantis, pois associa sem parar um assunto no outro, enquanto eu quase não digo nada. Essa analisanda diz que está na análise para ter um espaço no qual pode falar exatamente como uma criança, podendo se ocupar dessas palavras infantis. Esse é o lugar que ela me coloca em transferência, como aquele ao qual endereça um suposto saber em testemunhar essa sua fala infantil. Só que essa fala nomeada de infantil, devido às incessantes associações, reservada à sua análise, é o que lhe causa maior repugnância de ouvir, é seu objeto fóbico, sua resistência à análise. Então, embora o lugar que essa analisanda me coloca seja de escutar sua "fala infantil", em transferência, é justamente essa fala que a repugna ouvir, sem a objetividade do "adulto" tão "cara" a essa analisanda, é sua própria resistência à análise. Eis a ambivalência do sintoma transferida para o lugar do analista.
Para concluir, agora sobre a questão da interrupção de uma análise como ato analítico, escutei um outro analisando que embora produzisse muito em análise, associando suas significâncias, não conseguia pagar suas sessões de análise. Um dia ele disse que sentia vergonha de não poder pagar do mesmo jeito que se viu inferior quando foi a um consultório médico de favor e se colocou inferiorizado na sala de espera, ao lado de sujeitos ricos. Escutei que essa fala, endereçada a mim como analista, afirmava que sem pagar, a análise dele jamais andaria, estava condenada a andar em farrapos como se sentiu no tal consultório médico. A "riqueza" do dom fálico não opera sem o artifício da simbolização com o pagamento, e esse analisando estava capturado como objeto nesse esgarçamento de uma dívida cada vez maior, inegociável, uma dívida real. Então, como ato analítico, comuniquei a interrupção dessa análise. Ele sempre prometia pagar, pelo dinheiro de uma herança (do simbólico?), e nunca conseguia (real?), ficando cada vez com mais dívidas. Embora ele associasse bem em análise, na ética do bem-dizer, nessas condições, a análise dele estava indo pelo buraco abaixo, pois se presentificava um excesso de gozo, um deslimite que o próprio processo analítico estava alimentando. Foi necessário uma interrupção como corte, como subtração desse excesso que a ausência do pagamento não permitia falar, não permitia simbolizar na falta, faltando sua própria enunciação. Piorando cada vez mais, reforçando seu sintoma, pois atualizava, nessa repetição, sua encenação de inferioridade da infância, sem recursos para simbolizá-la, pois sem dinheiro para pagar pela falta, pelo simbólico, seguia apenas acumulando dívidas impagáveis, dívidas impossíveis de simbolizar.
Nossos analisandos nos ensinam muito, muito mesmo. São eles que reinventam a psicanálise. Freud sistematizou como teoria, mas foram suas histéricas que inventaram o discurso psicanalítico, afirmando que a psicanálise, como teoria, estará sempre inacabada.
Texto escrito por Alex Azevedo.