segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Desalienação das Singularidades

Inspirado por uma conversação que tive hoje com uma psicanalista que permite a composição disruptiva de atravessamentos discursivos, resolvi escrever este sucinto texto, com o qual gostaria de expressar o meu pensamento no que concerne à desalienação das singularidades e das discursividades, numa interlocução com aquilo que se potencializa com as problematizações e re-invenções com outros campos de saberes.
A instituição psicanalítica permanece ocupando esse lugar de regularizar e disciplinar o Passe, exercendo o controle, uma espécie de afunilamento dos que são autenticados e reconhecidos psicanalista pela referida Instituição. Lacan problematizou e mobilizou a ruptura da centralidade pragmática e dogmática da psicanálise, sustentando a dialética do desejo, de um sujeito subversivo, disruptivo e enviesado, dissolvendo o sujeito cartesiano da razão. Mas os psicanalistas reduziram a empreitada lacaniana a uma outra ortodoxia, centralizando-a num paradigma universalizante da constituição Fálico-Edípica. Esse aforismo de que o analista deve se autorizar e por "... mais alguns outros", é a forma de transmitir o inviolável sistema totalizante da Instituição do Passe.
Acredito que a psicanálise deve respirar o singular da alteridade, precisa de Outra "sacudida" do Maio (francês) de 68... A psicanálise está por demais vigorosa, estranho esse "status quo". A psicanálise deve retornar a seu provocante e inovador aspecto "underground", tentando re-inventar as possibilidades do espaço potencial, dos processos criativos, desvencilhando dos enrijecimentos. As cristalizações e engessamentos de um discurso dogmático, estão contribuindo com a esterilidade da plasticidade psicanalítica, reduzindo-a a uma padronização do não-procedimento, obturando a originalidade freudiana de produzir uma "transdiscursividade". A mestria está do lado do sujeito e não das Instituições psicanalíticas. Freud foi um ativista incansável, injetando inovações e revisões inesgotáveis em seu arcabouço teórico, realizando uma criação teórico-clínica viva.
Após o falecimento do homem Freud, o significante Freud foi materializado como um pai morto, fazendo com que as associações psicanalíticas não absorvessem o legado máximo deixado pelo homem Freud, que é a constante reinvenção da psicanálise. As associações instituíram as insígnias de um pai morto, legitimando, assim como na horda primitiva, o originário ato de violência, instaurando a (i)mutável letra morta da lei.
Mas essa originalidade do axioma "autorizar-se", na prática é inexistente! As instituições continuam disseminando disciplina. O próprio "estilo", categoria que prometia expandir uma libertação do desejo singular, ininquadrável a regulamentações, acaba constituindo um outro imperativo, aquele do: "Seja ímpar, seja mestre do seu desejo, seja singular", constrangendo o subversivo sujeito da razão, a um cárcere privado de uma concepção do inconsciente radicalmente submetida ao recalque, à falta. Ou seja, significa, tal atitude institucional, um retorno à repressão, à escravidão reguladora da psicanálise, seja a IPA ou mesmo a u-tópica lacaniana!

No período pós-lacaniano, a psicanálise como vanguarda da "pós-modernidade", passou a conter em seu bojo, uma infiltração de influência lacaniana que opacificou a sua amplitude de discursividades. Não há psicanalistas que, mesmo sustentando abordagens de outros autores implicados na transmissão com a letra freudiana, não estejam afetados e marcados, como gados, na libra de carne, pela transgressiva palavra de Lacan. Penso na idéia de transgressão, neste contexto, em sua ambígua conotação.... Como uma reinvenção enriquecedora e produtiva, que impulsionou a psicanálise a romper com as cristalizações reducionistas; cristalizações estas submetidas pelo controle, disciplina e sistematização das grandes sociedades, detentoras da Verdade da psicanálise. Mas também, penso essa idéia de transgressão, como alguma coisa refratária, que transbordou da originalidade freudiana, destituindo o valor da primazia criativa de Freud. Rompeu com valorações pré-concebidas, mas adulterou a via pela qual Freud se enveredou e sustentou. A psicanálise só é significante com o mestre Lacan? Mas é justamente o furo no brilho fálico, no manejo singular da transferência, que o dispositivo psicanalítico opera suas direções.
Freud inventou um personagem fictício e a sua prática no dispositivo e, assim, inventou a célebre e canônica figura do próprio Freud. Lacan, com seu texto celeumático, re-inventou Freud. A psicanálise é um processo de luto de um objeto pulsional fantasmático, constituido subjetivamente pelo contorno da falta no discurso. Psicanálise não se reduz ao corolário lacaniano. Podemos dizer que um analista circunscreve sua clínica sob orientação lacaniana, mas jamais devemos nos enganar e nos iludirmos associando a psicanálise ao arcabouço teórico da ficção (fixação) de uma suposta retórica lacaniana.
Estando a psicanálise colonizada por um pragmatismo unilateral, paga-se o preço da destituição do instrumento da escuta vinculado à alteridade subjetiva na qual o inconsciente se inscreve. Por isso, caso haja uma relação de dominância, de apreensão tangível de uma tradução lacaniana, a essência subversiva da psicanálise se reduz à repressão do sensível e dos afetos em suas significâncias.
A enunciação, produção discursiva do laço social, é um etéreo em construção, emoldurado pela falta de uma totalidade simbolizável. Caso uma enunciação seja cristalizada em fundamentações delimitadas, caracteriza-se em doutrina, um dogmatismo. A psicanálise preconiza um "dou-a-trina"... uma escuta da latrina particular, do discurso do Outro, do inconsciente, do obsceno, das pulsões recalcadas... Um dar a trina, tripé, oferecer o vazio, o silêncio, mas jamais reduzi-la à doutrinação engessante!

texto escrito por Alex Azevedo.

2 comentários:

Paulo Castro disse...

Discute esse ponto no meu Seminário desse ano.
Na ausência de Freud (A), a IPA.
Na ausência de Lacan (A), o Passe.
Peguemos "Outros Escritos" : Lacan desfaz o passe antes de sua morte, isso está na letra do texto. Ele diz que o passe faliu. J-A-Miller organiza seu grupo, o Quartier já está estabelecido fora, os psicanalistas contra Miller montam um passe com passadores de critério único de ser contra-Miller. E Miller de ser pró-Miller, que para ele era o mesmo que ser "lacaniano".
E na Brazuquice a coisa fica ainda mais caricata, visto que burra e acalorenta sem ter a ousadia de ser acalourada: Escola disso, Escola daquilo, quem te deu o passe, quem foi teu analista, Allan....Kardec ?!
- Não,baby,foram 12 anos no divã do Forbes.
- Do Forbes !!! Aquele escroto !!!
- É. Quer jantar, baby ?
- Não !
- Nova chance....1...2....e sem mais "alguns outros"...
- Sim ! Sim ! Frutos do mar !
Enfim, como diria meu guia 4 rodas, qual é mesmo a situação enlaçada de Santa Rita do Passe Quatro ?
Abrs.
°

Paula Calixto disse...

O sujeito só será livre quando livre estiver dentro de si, caríssimo!

Será essa uma realidade?!

A real-idade de si e da psicanálise em si é em que tempo?

O desejo, o Gozo, o Prazer e o sujeito estarão presentes em qualquer contexto (com, ou, sem texto).

Penso que para inovar e avançar seja preciso, antes, retro-ceder.

Talvez, assim, surja um "novo" in-no-ver! (;

Beijos.