quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Numa Noite de Natal.




Numa Noite de Natal.
Autor: Alex Azevedo Dias.

A chuva finíssima esfumaçara ao sabor dos ventos. Assim borrifada, espalhando-se dispersivamente, essa chuvinha lembrava os flocos de neve da mesma época, mas em outra estação. Uma menina desgarrara de sua mãe enquanto se aproveitava da distração desta numa vitrine importada. Separara os lábios na tentativa frustrada de abocanhar uma gota d'água, resultando apenas num rostinho úmido a soltar tímidos espirros. O calor daquele verão enganava os desavisados, confundindo a roupa molhada pela transpiração com a linda, leve e solta chuvinha do entardecer.

Notando que havia perdido a filha de vista, Lara se precipitou na multidão e, vendo Nina alheia, contemplando sua íntima nevasca, tomou-a pela mão. Aquele súbito afastamento da filha fez com que ela esquecesse a atraente vitrine com seus objetos mágicos. Lara dividira-se. Não podia ignorar aquelas imperdíveis ofertas, mas um esboço de culpa a freara, pois seu desejo por tal paraíso de vestidos, bolsas, perfumes e joias não poderia aliená-la de seu único bem verdadeiramente valioso: sua pequena Nina.

Quando chegou ao apartamento do ex-marido para deixar a filha, Lara, ainda um pouco frustrada por não ter comprado a fragrância maravilhosa, juntamente com o divino anel de brilhantes, jogou-se no sofá. Normalmente não agia daquela forma. Sentia-se desamparada. Não era partidária do machismo muito menos do feminismo, mas às vezes se martirizava por se achar impotente. Recriminava-se por ter deixado seu marido escapar. Não se via como uma boa mulher, apesar de saber ser portadora de diversas qualidades, além de ser ainda jovem e bonita. Mergulhara no consumismo como refúgio dos dissabores. Mas, naquela noite, o medo de perder a filha falara mais alto.

Já era noite de natal. Naquele ano, excepcionalmente, combinara com o pai de Nina que a menina passaria a noite de 24 de dezembro com a família dele e, no dia seguinte, teria o tradicional almoço natalino com sua própria família. Desde a separação, sempre fora o contrário: a véspera com ela e o dia de natal com ele. Lara não costumava ficar para cumprimentar o ex-marido. Nina conhecia a casa como a palma de sua mão. Aquela era a casa em que viveram juntos por oito anos, nem sempre tão felizes, mas ainda assim memoráveis. Exausta, Lara mesmo resistindo ao sono oportuno, acabou por se entregar a algo maior que um simples cochilo.

Acordou abruptamente com a filha chamando por “mamãe”. Antes mesmo de se levantar, ainda um pouco tonta pela sonolência, não se perdoando por ter adormecido naquelas condições, Lara reprimiu um grito ao ver um homem deitado de bruços ao pé da árvore de natal. Nina estava correndo de um lado ao outro, ora puxando o vestido da mãe, ora abaixando-se ao lado do homem e tocando em suas vestimentas extravagantes. A menina não pôde conter o que sua mãe mais temia: o excesso de fantasia.

- Mamãe, mamãe! Será que é ele, mamãe? Justo na casa do papai? É ele, mamãe?

Com a voz embargada e meio desorientada pela perplexidade do acontecimento, Lara verbalizou, ou melhor, balbuciou, em resposta à inquieta interrogação da filha:

- Seu pai? Não pode! Ele não é tão gordo. Não faz tanto tempo assim que eu não o vejo pra ter engordado dessa maneira.

- Não, mamãe! Que papai que nada. Não é meu pai. É o Noel!

- Como assim, Nina!? Que Noel? Este homem deve ser um encanador ou um bombeiro hidráulico que não resistiu aos apelos festivos e se entregou à bebedeira escandalosa.

- Não, mamãe. Veja, ele tem barba de verdade! Cabelos grisalhos por baixo do gorro vermelho e barba branca.

- Então é um dos amigos vagabundos, daquelas farras, que seu pai sempre trazia pra casa.

- O que você está falando, mãe? Acorda! É o Papai Noel!

- Olha o respeito comigo, heim!?

- É ele mesmo! Veja, veja...

- Quê? Será? Mas ele não existe...

Nesse instante, ao virarem o homem misterioso de barriga para cima, as luzes da árvore se acenderam repentinamente e o suave e encantador som de guizos e sinos ecoou na acústica daquela sala tão cuidada, apesar de tanta história abandonada. Mãe e filha se assustaram na presença daquele homenzarrão que se levantara de uma vez só e lhes estendera uma das mãos com um pequeno bilhete manuscrito. Lara reconheceu a caligrafia. Era de Nina. Uma letrinha singela contendo um inusitado pedido de natal. Logo depois, tudo desaparecera.

(...)

Como num passe de mágica, Nina já completara sessenta anos. Mora com o marido, um francês quatro anos mais velho do que ela, numa cidadezinha do interior da França. É véspera de natal. Seus filhos, já crescidos e bem casados, foram morar no Rio de Janeiro, sua cidade natal e de seus avós maternos. Todos chegaram à França para o natal com a família. Os netos de Nina e Charles brincam alegremente ao redor da lareira. Nina não sentira o tempo passar. Ressente-se do tempo que não vira seus pais, que, a essa altura, já estão bastante idosos. De repente, a campainha toca.

A matriarca Lara entra sorridente, cumprimentando seu genro e beijando os netos e bisnetos. Logo atrás, seu pai aparece, também cumprimentando Charles e dando tapinhas de leve na cabeça das crianças. Ao se aproximarem de Nina, seus pais estão de mãos dadas. No dedo anelar da mão esquerda de Lara, o anel de brilhantes que ela tanto sonhara. Ao ser interrogada por Nina, Lara diz que ganhara aquele presente do seu marido, renovando os votos matrimoniais. Nina os abraça afetuosamente e suspira, quase soluçando, de satisfação.

Antes de se deitar, grata por aquela noite realmente feliz, Nina se recorda de seus sete anos, quando viu o estranho homem fantasiado de Papai Noel deitado de bruços no tapete, perto da árvore de natal. Aquele bilhete com sua caligrafia continha o pedido de ter sua família de volta, unida e feliz. Uma lágrima escorreu de suas pálpebras, depositando-se na maçã corada do seu rosto. Fechou os olhos e se lembrou das feições daquele Bom Velhinho que lhe concedera o melhor presente há cinquenta e três anos e que se perpetuara para sempre, em todos os natais.

Escrito por Alex Azevedo Dias.

*

Mesmo para quem é triste, o natal existe!
Um feliz natal a todos!!!

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