quarta-feira, 16 de maio de 2012

O Difícil é Aprender.

















Sentados nas cadeiras e bancos escolares, tendo diante de cada um de nós, um quadro negro e um professor, como aprendemos? Será que precisamos apenas destes elementos primários - o aprendente, o ensinante e as palavras soltas ao vento para a absorção passiva dos alunos? E o enlace subjetivo - o desejo, a paixão - que sustenta as relações humanas? Para início de conversa, o termo utilizado para designar aquele que supostamente aprende, nega-o em sua essência. “Aluno” deriva de aluado, alienado, ou seja, fixado num padrão repetitivo que inviabiliza o modo singular que cada sujeito lida com o aprendizado. O que está para além de um vínculo reducionista entre receptor (aluno) e emissor (professor)?

Não é à toa que Platão afirmava ser todo conhecimento uma rememoração. Na dualidade de sua metafísica, oposição entre o sensível (mundo das aparências) e o inteligível (mundo das essências), o processo de aprendizagem é a recordação do que já existia enquanto ideia transcendente. Talvez possamos aproximar esse ponto do pensamento platônico, en passant, com a lógica freudiana do repetir para recordar, para enfim elaborar. No contexto analítico, é apenas sob transferência que o inconsciente - discurso do Outro, estruturado como uma linguagem - irrompe e pode ser trabalhado. Lacan dizia que a condição sine qua non do estabelecimento transferencial é o endereçamento do sujeito suposto saber para o lugar do analista. É sempre de um retorno (do recalcado) que se trata em análise. E trazendo novamente Platão, conhecer é reconhecer, é rememorar, assim como a lógica do inconsciente na dinâmica da transferência.

Quando Nietzsche articula o conhecimento ao que há de mais alegre (potente) na ordem dos afetos, talvez antecipe a ideia freudiana da libido, ou pulsão, como força motriz tanto disruptiva quanto associativa, capaz de desagregar e de agregar os significantes do inconsciente. Aprender é uma afetação no sentido de ser algo que concerne intimamente ao sujeito. E sendo assim, também como um representante afetivo, jamais é sem angústia. Pois nesse processo de aprendizagem, indissociável da rememoração, o que retorna é o recalcado em sua embalagem sintomática.

A análise é um trabalho de luto propriamente dito. Primeiro, porque o sujeito reconhece que o saber depositado no analista não passa de um saber sobre si - de uma falta de saber sobre si. Segundo, que as certezas imaginárias caem, na travessia do fantasma, viabilizando uma abertura, mobilizando os afetos sob transferência, para a desidealização de um conhecimento mágico, onipotente. O que permite a saída de uma reprodução estéril do sintoma dos pais, para a liberdade da produção de um senso estético singular. Nesse sentido, é inevitável considerar uma aproximação entre o modelo escolar do aluno recebendo passivamente um saber do professor com a alienação ao sintoma parental. E, assim, construir a passagem, não sem luto, para uma apropriação do sintoma singular do sujeito, subjetivando afetivamente a vida, sua realidade psíquica, como produção desejante do saber (não-saber) inconsciente.

Será que um sujeito submetido à categoria de aluno, sustenta um desejo, é sujeito de seu desejo? Talvez esteja numa posição objetal em que o “saber” do Outro se impõe, sem ser subjetivado, sem ser ressignificado na singularidade do seu discurso. Para aprender é indispensável que haja uma afetação, que o conteúdo exposto pelo professor cause o sujeito, diga algo a seu respeito. E isso não é tarefa fácil. Sempre que um saber inconsciente é instigado a se presentificar, por algum estímulo externo, a angústia comparece, sinalizando a resistência contra o retorno do recalcado.

É possível aprender sem ser por transferência? Freud era incisivo quando dizia que a transferência é uma repetição dos afetos recalcados, na ausência de recordação das representações ligadas a eles. A transferência é uma reedição dos clichês e estereótipos libidinais, uma forma de repetir esses afetos, uma forma de rememorá-los, atuá-los, sem que para isso se recorde simbolicamente dos eventos traumáticos que constituíram o sujeito falante. É em transferência com o outro (analista/professor) - sujeito suposto saber - que o discurso do Outro repercute no sujeito. É em transferência que os afetos reverberam, repetem-se, mobilizam pulsões, sintetizam e escandem os não-saberes inconscientes. Não existe aprendizagem sem paixão. É preciso que certa dose de mal-estar, não sem entusiasmo, fale intimamente ao pé do ouvido do sujeito, fazendo-o lidar com aquilo que o concerne, com aquilo que o clama pelo nome, que afeta o sujeito em sua história subjetiva. Pelas cartografias da pulsão, a linguagem corta e costura o saber inconsciente.

Essa alegria como maior representante dos afetos, segundo Nietzsche, nunca gratuita e descompromissada, inclui o objeto (des)conhecido no âmago do sujeito desejante. É só aí que o processo do aprender é operado. Na posição subjetiva do sujeito, sua cadeia significante na qual um significante só representa o sujeito para outro significante (Lacan), que ele articula algo do saber, sempre meio desarticulado, capenga, naquilo que lhe escapa e em que está implicado intimamente, tragicamente.

Entre aquele que aprende e aquele que ensina, há mais mistérios do que conhece a nossa vã filosofia. Essa dialética é mediada pelo desejo, pelo sintoma, pela paixão, pelos alegres - e por que não angustiados? - afetos inconscientes.

Depois dessa sucinta explanação, fica patente a impossibilidade de separação entre o processo do aprendizado - a aquisição da linguagem, os atravessamentos do discurso do Outro - e as dificuldades inerentes a essa aprendizagem. Para Lacan, antes do nascimento do indivíduo, e mesmo na anterioridade lógica da constituição do sujeito, o bebê já está submetido à linguagem. Ele é atravessado pelas fantasias parentais, pela transmissão de significantes, pelo lugar construído no desejo desses pais.

A aprendizagem e suas vicissitudes deixam em evidência os mecanismos de defesa exclusivos da sexualidade infantil que estruturam a singularidade do sujeito. Uma criança com dificuldade de aprender matemática pode revelar um conflito interno com as subtrações e divisões típicas de sua vivência relacional. Para que um sujeito se constitua, é necessário que o gozo imaginário se descole, seja subtraído enquanto objeto de satisfação pulsional. A série de divisões objetais, operadora da função simbólica, inaugura a circunscrição do sujeito do desejo, assujeitado à linguagem do Outro. Essas equações, as ambiguidades que estão no cerne da irrupção do sujeito, dizem respeito ao drama subjetivo da entrada do sujeito no simbólico, suas questões inconscientes.

A psicanálise não se reduz aos manuais de instruções nos quais, isso quer dizer aquilo e aquilo quer dizer isso, pois é apenas no um a um de cada caso, sob transferência, que o analista pode sustentar a escuta da enunciação, daquilo que autoriza a emergência do singular. É no drama psíquico, nessa tensão constante entre o eu e o isso, os equívocos do sujeito - seu inconsciente -, que as peculiaridades subjetivas de cada um podem ganhar um lugar simbólico, uma desamarração do lugar passivo de aluno. É nessa desalienação do que foi necessário no início da história do sujeito, que ele pode se deslocar do lugar de objeto, na divisão do seu desejo, e não mais ser o nó do sintoma dos pais/professor, para fazer laços com suas próprias criações (aprendizado), reinventando a vida.

Desse modo, conclui-se que não há aprendizagem possível sem dificuldade. Talvez indo um pouco mais longe para afirmar que a dificuldade de aprendizagem coincide com o próprio processo do aprendizado. Não é à toa que sendo a aprendizagem uma potente forma de afetação (Nietzsche) e um (re)conhecimento do que já estava lá (Platão), essa dificuldade concerne ao aprendizado, sempre inacabado, como conflitos de contrários no inconsciente, responsável pela própria beleza de constituição diária do sujeito ao lidar com seu desejo sempre singular.



Artigo Escrito por Alex Azevedo Dias.

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