sábado, 6 de agosto de 2011

A Sós.














Quase toda a noite, caminhava pelas ruas desertas até a casa dele. Só se encontravam lá. Às escondidas. Ela se questionava sobre essa condição. Pressionava-o. Achava que ele não queria apresentá-la aos amigos, que se envergonhasse dela por alguma razão. Ele reagia, com ponderada virilidade, às suas exigências para arrancá-lo da alcova. Ela queria que a relação ganhasse visibilidade máxima. Torná-la pública era o seu objetivo. Achava que só assim confirmaria que ela a amava, a assumia.

Ele ficava irredutível. Contra-argumentava. Dizia que ela era tão importante que ele a queria com exclusividade. Não desejava compartilhá-la com olhares estrangeiros. Ele falava, falava e ela acabava cedendo. Deixava-se convencer. Não porque confiasse no poder de persuasão dele, mas não resistia àquela voz roufenha e melodiosa. Ela detestava confessar isso, mas sentia calores indecorosos sempre que se via tomada brutalmente de forma intrépida, passageira e, acima de tudo, clandestina, por aquele homem.

O encaixe, perfeito. Amavam-se como nenhum outro amante fora capaz. Resolviam suas rusgas quando ambas as línguas verbalizavam libidos inauditas. O resfolegar sinfônico das carnes. Naquele instante, inexistiam. Realização da nostálgica unidade perdida. Apesar de jamais terem renunciado suas diferenças, eram elas, em sua força demoníaca, que executavam o re-ligare em sua dimensão mais fluida.

Juntos, sentia-se completa. Na inevitável separação após cada noite de amor, sentia-se desamparada, carente, aflita pela promessa do que sabia ser impossível: Assumir seu amor publicamente. Quando não estava na casa do namorado, ela evocava o seu nome, trazia-o para perto de si, atribuindo-lhe uma das memórias mais belas. Embora se esforçasse para tê-lo, emoldurando-o com begônias e tulipas de sua imaginação, ela só conseguia se agarrar à devastadora ausência. E sua questão insistia, não calava, repetia: "Por que ele não me apresenta para os amigos?". "Por que eu tenho que ir sempre à casa dele?". "Só lá podemos nos encontrar?".

O tempo passava, e essa situação não mudava. Mantinha-se melancolicamente idêntica. Sempre. Invariavelmente. Mesmo não aceitando, irritada, magoada, ela seguia, durante certa hora da noite, o mesmo trajeto solitário até a casa do namorado. Pensava em desistir, endereçar-lhe impropérios, xingá-lo, vociferar, terminar o namoro. Mas uma estranha familiaridade a impulsionava para o destino cruel. Resignava-se, até gostava quando o corpo nu daquele homem apaixonante desfilava pelos seus sentidos, como louca aparição, saborosa alucinação. Ela não sabia como ele era na sua ausência. Também não se falavam ao telefone. Mas tinha certeza que seu pacato semblante sofria metamorfose inigualável ao se dar conta que a mulher amada estava presente, ao seu lado.

Numa noite, enquanto o esperava no banho, ela, sentada na beirada do colchão, encaracolava suas sedosas madeixas com o indicador. Enrolava os cabelos em movimentos espiralados até esticar a raiz, levantando quase totalmente o braço, bem acima da cabeça. Depois, num ato desavergonhado, deixava-os cair resolutos, modelando os cachos que se insinuavam, salientes, na direção em que o amado se banhava. Ao sair do banho, ele a flagrou em seu sedutor ritual, e hipnotizado pela faceirice da mulher, abraçou-a por trás num gesto impulsivo. Aturdida, sem esperar aquela reação, num gemido súbito de gozo, involuntária e reflexiva ação, lançou o cotovelo para trás com toda a força, contorcendo de prazer.

Ouviu um estrondo. Imediatamente olhou em direção ao barulho. Estava lá. Seu Adônis, nu, fatalmente estendido no chão, desfalecido. Apavorada, ligou para o pronto-socorro. Enquanto a ambulância não chegava, ela se ajoelhou, também nua, envolveu aquele corpo que já lhe presenteara com tantos orgasmos, inclinou a cabeça sobre seu peito e se pôs a chorar. Um choro fluido, livre, como jamais pôde chorar.

Na sala de espera da emergência, a notícia. Ele estava bem. Ela lhe atingira com uma invejável pontaria, na têmpora direita, o que lhe causou o desmaio. O médico lhe conduziu ao encontro do amado. No leito, os pais do rapaz lhe esperavam. Era a primeira vez que tinha seus "sogros" à sua frente. Enquanto ele dormia - efeito de sedativos - ela sorria de felicidade por oficializar - mesmo em inusitada situação - o namoro publicamente.


CONTO ESCRITO por ALEX AZEVEDO DIAS.

3 comentários:

Anônimo disse...

Já que ele não proporcionava tal encontro, o destino ou acaso encarregou-se disso... Situação inusitada, porém com um desfecho supostamente satisfatório para a personagem: foi feita (mesmo que acidentalmente) a vontade dela.

Gostei! Beijo, Alex!

Anônimo disse...

Adorei esta crônica; hilária!
Bem feito pra ele, saiu de cima do muro, literalmente...; foi ao chão! ahahahaha

BEIJOSSSSSSSSS

Vitor disse...

Que me desculpem os colegas, mas essa cotovelada não foi por acaso nem aqui nem na China. Não se ofendam, só minha opinião, pois quem sabe mesmo (sabe?) é o Alex.
Eu sempre gosto de dizer que quando você não escolhe, a vida escolhe por você. Bom, vá lá, vejo verdade nisso mesmo.
Entretanto, há situações nas quais você não quer escolher e outras nas quais você escolher "sem querer".